sábado, 27 de setembro de 2014

Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual (2011)


Indrodução de "Medianeras - Buenos Aires na era do Amor Virtual".

Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada num país deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de prédios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, tem um muito baixo. Ao lado de um racionalista, tem um irracional. Ao lado de um em estilo francês, tem um sem estilo.
Provavelmente essas irregularidades nos refletem perfeitamente. Irregularidades estéticas e éticas. Esses prédios, que se sucedem sem lógica, demonstram total falta de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida, que construímos sem saber como queremos que fique.

Vivemos como quem está de passagem por Buenos Aires. Somos criadores da cultura do inquilino. Prédios menores para dar lugar a outros prédios, ainda menores. Os apartamentos se medem por cômodos. Vão daqueles excepcionais, com sacada sala de recreação, quarto de empregada e depósito. Até a quitinete, ou "caixa de sapato".
Os prédios, como muita coisa pensada pelos homens, servem para diferenciar uns dos outros. Existe a frente e existe o fundo. Andares altos e baixos. Os privilegiados são identificados pela letra A, às vezes B. Vista e claridade são promessas que poucas vezes se concretizam.

O que esperar de uma cidade que dá as costas ao seu rio?

É certeza que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo, são culpa dos arquitetos e incorporadores.
Desses males, exceto o suicídio, todos me acometem.

Preciso dizer mais ou já te convenci a assistir essa preciosidade?!

(Medianeras - 2011)

domingo, 14 de setembro de 2014

Praia do Futuro (2014)


“A Praia do Futuro é perigosa”, diz uma personagem em "Praia do Futuro", de Karim Aïnouz. Aqui, o lugar não é apenas um ponto turístico de Fortaleza: é um estado de alma, aquele da transição, do não-pertencimento, da busca incessante. Ao centro do filme estão três personagens tentando encontrar seu lugar no mundo. Donato (Wagner Moura) é um salva-vidas que não consegue resgatar o amigo do alemão Konrad (Clemens Schick). Isso, no entanto, é apenas o ponto de partida da história de amor entre esses dois homens.

Escrito por Aïnouz e Felipe Bragança, "Praia do Futuro" é um filme construído com lacunas. Há calculadas omissões na narrativa, e chamá-las de buracos seria pejorativo, como se tivesse sido um erro da dupla, quando, na verdade, essas ‘crateras’ escondem a verdade desses personagens. Suas principais decisões não são vistas, pois o diretor está mais interessado nos desdobramentos. A primeira delas acontece logo depois que Donato conta a Konrad que não conseguiu salvar o outro homem. O salva-vidas oferece carona e, na cena seguinte, os dois estão se atracando no carro e, pouco depois, num quarto de hotel.

Como chegaram até ali? Qual a dinâmica que desenharam para chegar àquele momento? Nada disso está presente no filme e, no fundo, não faz a menor falta, pois em seus filmes (especialmente nos dois primeiros, "Madame Satã" e "O Céu de Suely"), Aïnouz filma corpos em movimento. A textura da pele, os fios de cabelo, o suor que escorre, tudo contribuiu, nem que seja de forma sutil, para a construção das narrativas e das personagens.

Se a primeira parte de "Praia do Futuro" é ensolarada em Fortaleza, o que segue depois é numa Alemanha gélida, onde Donato é o estrangeiro (em vários sentidos). Não é uma adaptação fácil – não é apenas por causa do clima, mas também a língua e os costumes. Anos depois, quando finalmente parece estar encontrando o seu lugar, surge um fantasma do passado: o irmão caçula, Ayrton, vivido por Jesuíta Barbosa, que desde que apareceu na tela do cinema no ano passado com "Tatuagem" mostrou que é uma força da natureza – aqui, mais do que nunca.

Konrad é o complemento de Donato. Ayrton, seu antagonista. Das pequenas disputas com o alemão, o ex-salva-vidas sai quase intacto, mas do embate com o irmão é que emergem suas maiores dores. Não sabemos direito quais são, apenas deduzimos, e aí surge com mais forma, escondida na composição do filme, a simbologia das crateras da narrativa. Aquilo que não sabemos da trama é o mesmo não-dito dos personagens. As coisas não precisam ficar explicitadas para que eles se entendam – nem para que nós entendamos o filme.

"Praia do Futuro" é o filme mais maduro do diretor – parece o mais apurado e mais técnico. Aqui não há aquele desespero dos personagens, das imagens, dos diálogos de
"O Céu de Suely" – o que existe é um minimalismo que dá conta de tudo aquilo. Não chamemos de excesso – porque Aïnouz nunca foi diretor de excessos –, mas aqueles momentos menos calculados, por assim dizer, fazem um pouco de falta aqui.

O diretor amadureceu e com ele seu cinema – sem nunca deixar para trás aquilo que seus filmes sempre tiveram de inquietante. Há um quê proposital do cinema de Rainer Werner Fassbinder nesse novo trabalho do brasileiro que, em seus momentos mais viscerais, está na mesma medida do cineasta alemão. A Praia do Futuro é um lugar perigoso, mas vale ser enfrentado, pois é sempre bom lembrar: o medo devora a alma.

(Praia do Futuro - 2014)

Os Homens São de Marte... E é pra Lá que Eu Vou! (2014)


Baseado numa peça que ficou quase uma década em cartaz no país, e fez um público de dois milhões de ingressos, o longa "Os homens são de Marte ... E é para lá que eu vou!" traz sua criadora, Mônica Martelli, novamente como protagonista. Ela é Fernanda, mulher bem-sucedida profissionalmente que busca um homem para chamar de seu e se envolve em mil confusões enquanto tenta achar o príncipe encantado.

A trama, os personagens e a situações são tão clichês quanto as duas frases anteriores que descrevem o filme. O que há nessa mulher contemporânea que assusta aos homens? Seria o seu desespero para se casar ou sua independência financeira? Fernanda, que é sócia numa empresa que organiza festas de casamento, se envolve com um político (Eduardo Moscovis), um milionário (Humberto Martins), um alemão meio hippie no nordeste (Peter Ketnath) e um arquiteto (Marcos Palmeira).

Com todos ela “acredita que será feliz para sempre – e com quase todos se frustra. É apenas com um deles que ela encontra o puro amor conjugal: com aquele com quem não vai para a cama no primeiro encontro. "O Homens são de Marte... E é pra lá que eu vou!" parece estar repetindo um velho bordão moralista, da suposta diferença entre as que são para casar e as outras.

Mônica é boa de comédia e domina a personagem, tem timing para humor e sem dúvida é o que há de melhor no filme. Mas as situações e a obstinação de Fernanda quase desumanizam a protagonista que, em certos momentos, parece um robô programado apenas para esperar uma aliança na mão esquerda.

Os coadjuvantes – Daniele Valente e Paulo Gustavo – são apenas desculpas para Fernanda conhecer novos homens, novos pretendentes em potencial. Uma subtrama envolvendo um casamento (em que a mãe do noivo é interpretada por Irene Ravache) parece estar ali apenas para prolongar o filme, que, em última instância é uma longa propaganda, passando por uma revista, uma marca de iogurte e culminando em Lulu Santos.

(Os Homens São de Marte... E é pra Lá que Eu Vou! - 2014)

sábado, 13 de setembro de 2014

A Imagem que Falta (2013)


Os personagens são de barro, mas a história é real.

Em um trabalho artístico impecável e com uma narrativa incrível e inusitada, Rithy Panh recria a história de sua família quando o Khmer Vermelho dominou Camboja.

Através de uma montagem com antigas imagens do período, que vai entre 1975 a 1979, nos é ilustrada uma narrativa cruel das atrocidades sofridas por diversos cambojanos. Uma crítica à autoridade comunista instalada no país e à desumanização imposta à sociedade.

Um trabalho que vale a pena ser visto por todos e jamais esquecido.

Nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (Camboja).

(L'Image Manquante - 2013)

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O Grande Hotel Budapeste (2014)


Bem-vindos à República (imaginária) de Zubrowka, país situado nos confins do leste europeu e que abriga um hotel que reina no alto de uma montanha. Tanto o país quanto o hotel foram afetados por grandes acontecimentos no século XX : a belle époque cedeu lugar a um crescente fascismo, que culminou com uma guerra. Como se não bastasse, o país fez parte do bloco comunista. Eis o pano de fundo em que se desenrola "O Grande Hotel Budapeste", novo filme de Wes Anderson.

O elenco de "O Grande Hotel Budapeste" é um verdadeiro desfile de grandes atores: Ralph Fiennes (M. Gustave, o concierge), Jude Law (jovem escritor), Adrien Brody (o vilão Dmitri), Edward Norton (o militar Henckels), Bill Murray (o amigo de Gustave, M. Ivan), sem falar na memorável atuação de Tilda Swinton, irreconhecível na pele de uma milionária octagenária, Madame D. Seria injusto não mencionar a excelente atuação do novato Toni Revolori (Zero, fiel escudeiro do concierge) e da bela Saoirse Ronan (Agatha), sua namorada.

Além desta constelação de talentos, o filme impressiona pela fluidez com a qual a ação se desenrola. Tanto os atores, quanto o roteiro, a fotografia, o figurino, tudo foi pensado de modo a fazer da trama de Wes Anderson uma verdadeira alegoria dos eventos que marcaram a Europa no século passado através daqueles que o viveram.

A trajetória do concierge vivido por Ralph Fiennes chega até nós graças ao encontro com aquele que foi seu fiel escudeiro, Zero (na maturidade, interpretado por F. Murray Abraham) com um jovem escritor - espécie de alter-ego do escritor Stefan Zweig (austríaco que, desencantado com os rumos da 2ª guerra, suicidou-se em Petrópolis, em 1942), cujos livros serviram de inspiração na construção do roteiro. Esta parte da ação ocorre nos anos 1960, mas logo seremos transportados aos anos gloriosos do hotel, no começo da década de 1930, quando os corredores eram percorridos pela elite europeia e M. Gustave era um verdadeiro maestro, tendo que lidar com os caprichos dos hóspedes, mas também com a rotina dos empregados - tudo isto sem jamais perder a classe.

"O Grande Hotel Budapeste" é um filme em que cada personagem parece retratar com grande talento os encantos deste microcosmo – e a trama apresenta reviravoltas no melhor estilo Agatha Christie. Visualmente, a sincronia dos movimentos da câmera em relação ao roteiro e às nuances de interpretação remete a filmes como Delicatessen (de Jean-Pierre Jeunet, 1991). O edifício usado nas filmagens foi uma antiga loja de departamentos localizada em Görlitz, cidade alemã junto às fronteiras com a Polônia e a República Tcheca.

Nomeado a 9 Oscar: Melhor Filme, Direção (Wes Anderson), Roteiro Original, Fotografia e Edição. Venceu nas categorias de Direção de Arte, Figurino, Maquiagem e Trilha Sonora.

(The Grand Budapest Hotel - 2014)

domingo, 7 de setembro de 2014

Contracorrente (2009)


O peruano "Contracorrente" é um pequeno filme de grande alcance, que marca uma bem-sucedida estreia em longas do peruano Javier Fuentes-Léon, que também assina o roteiro. A história pode ser definida como o dia em que "Dona Flor e Seus Dois Maridos" encontra "O Segredo de Brokeback Mountain" – com ênfase na melancolia do segundo, ao invés da comédia do primeiro.

"Contracorrente" se passa num pequeno vilarejo no Peru, que parece perdido no tempo e no espaço. Não fossem algumas bugigangas tecnológicas, podia-se pensar que a história se passa há algumas décadas. Ao menos, a mentalidade local parece parada no passado remoto.

Quando o filme começa, o pescador Miguel (Cristian Mercado) tem um romance com o fotógrafo e pintor Santiago (Manolo Cardona). Não seria nada demais, não fosse o primeiro casado com Mariela (Tatiana Astengo), que está grávida. A relação entre os dois sempre acontece ao longe, em praias isoladas, onde sozinhos podem viver o seu amor.

O pescador Miguel é um personagem com um conflito muito grande: apaixonado por Santiago e também por sua mulher, ele fica dividido entre o dever e seu coração. Na vila onde moram, o fotógrafo é visto com hostilidade, ninguém fala com ele e crianças atiram ovos em suas janelas.

Mas seu amor por Miguel é tão grande que, mesmo morto, ele continua aparecendo para o pescador – tal qual Vadinho para dona Flor. Porém, aqui não é como o romance de Jorge Amado, ou o filme de Bruno Barreto – não há espaço para risos no inusitado da situação. Santiago conta para Miguel que não consegue abandoná-lo, e o seu amante também não quer isso. É a situação ideal para Miguel: com o outro morto, pode viver seu romance e manter o casamento.

O diretor Fuentes-Léon dribla com criatividade as limitações orçamentárias. O cotidiano do vilarejo incorpora os temas que o diretor pretende discutir com seu filme – como o amor entre dois homens, a descoberta e aceitação da identidade de cada um. As pessoas com quem Miguel se relaciona no seu dia-a-dia (sua mulher, outros pescadores, seu filho) impulsionam a narrativa.

Mas o que traz força para essa história são seus personagens muito humanos e repletos de nuance. Desde o pescador que nem sempre sabe lidar com sua bissexualidade, até o fotógrafo bem resolvido, passando pela mulher de Miguel, que fica dividida entre o amor pelo marido e o preconceito enraizado em sua educação. Nessa educação, aliás, é estranho que homem veja novela – eles têm de gostar de futebol – por isso, Mariela dá um sorriso sem graça quando diz para as amigas que Miguel vê a reprise da brasileira Direito de Amar e gosta muito de Lauro Corona.

Ganhador de diversos prêmios, entre eles o de público do Festival de Sundance, “Contracorrente” é, com sua delicadeza, um filme poderoso. Ao falar do amor, faz um retrato da hipocrisia.

(Contracorriente - 2009)