quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011)
Baseado no incendiário romance homônimo da norte-americana Lionel Shriver, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” é um filme sobre a maternidade, sobre aquela velha falácia “ser mãe é padecer no paraíso”. Se isso fosse verdade, a personagem de Tilda, Eva, precisaria reencontrar o Éden que lhe foi usurpado com o nascimento do primeiro filho, Kevin (Rock Duer, quando pequeno). O relacionamento dela com o marido, Franklin (John C. Reilly, “Boogie Nights”), ia bem, até a chegada do menino que lhe roubou a vida e lhe deu em troca uma angústia crescente.
O romance, que consiste em cartas de Eva para o marido após a tragédia, e o filme argumentam que nem toda maternidade é feliz. Eva, aparentemente, nunca quis ser mãe e isso se torna um fardo para ela. Mas teria Kevin nascido mau ou a criação de Eva e o excesso de permissividade de Franklin o teriam transformado num menino perverso? Não é um debate simples, e Lynne e seu corroteirista Rory Kinnear não se aventuram a esboçar uma solução – o que seria ingenuidade do filme. Nesse sentido, Kevin beira um estudo de caso, mostrando o que aconteceu com esse garoto – certamente outras pessoas, nas mesmas circunstâncias, agiriam de forma diferente.
A relação sempre tensa entre Eva e Kevin (quando adolescente, interpretado por Ezra Miller) é o que pauta a trama que transita entre o presente – quando ele está preso – e o passado – a vida em família antes da tragédia. Tal qual o romance, o filme descortina os fatos aos poucos. Entende-se logo o que aconteceu, mas só mais tarde se compreende como aconteceu, suas dimensões e implicações. É uma estratégia arriscada para uma narrativa, que é bem articulada por Lynne – diretora dada a criar imagens marcantes que nem sempre estão mostrando o belo.
A história é traçada do presente olhando para trás, a partir da carnificina no colégio promovida pelo filho de Eva. A diretora cria imagens – conjugadas a uma trilha sonora – que transitam entre o lúdico e o grotesco. A primeira cena é o melhor exemplo disso. A personagem de Tilda é autora de guias de viagem. Na abertura do filme ela está coberta de um material vermelho e viscoso. Poderia muito bem ser o sangue de inocentes – mas é simplesmente uma Tomatina, a festa na Espanha onde as pessoas se divertem jogando tomates umas nas outras. A trilha sonora do longa, por sua vez, dá o tom ao trânsito entre os dois extremos. Músicas antigas, como de Budd Holly ("Everyday") e The Beach Boys ("In my room"), fazem parte da seleção, mas nenhuma soa tão forte quanto uma chamada “Mother's Last Word To Her Son”. Na música cantada por Washington Philips, um filho se lembra de sua mãe e do amor mútuo. Certamente não seriam Kevin e Eva, não fosse pelo arrebatador final do filme.
A questão que, sabiamente, o longa levanta é: uma pessoa pode ser responsabilizada pelos atos de outra? Mesmo não sendo uma mãe modelo, Eva pode ser culpada pelas atitudes do filho? Alguns personagens pensam que sim – muitas vezes, ela mesma se martiriza, embora tente levar uma vida normal (se é que isso é possível após tal tragédia). Tilda é uma presença magnética na tela. O seu aspecto andrógino (mais explorado em outros filmes, especialmente Orlando) é hipnótico, mas o que seduz, enquanto personagem são as dúvidas e martírios que acontecem dentro dela mesma. Por outro lado, Reilly é o contraponto perfeito, como o pai tão apaixonado pelo filho quanto cego.
Este não é um filme fácil de se ver. E até pode gerar um sentimento de culpa. As interpretações, a direção, a história são tão boas que, eventualmente, alguém pode se sentir mal por conta do prazer cinematográfico que tudo isso gera, em contrapartida ao tema espinhoso. Por outro lado, a discussão e implicações que levanta fazem pensar que ainda vamos falar sobre o “Kevin” por muito tempo. Ou, pelo menos, deveríamos.
(We Need to Talk About Kevin - 2011)
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