quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Peter Pan (2015)


Se depois da sessão de Peter Pan (2015), longa de Joe Wright que se debruça sobre as origens do menino que não queria crescer, personagem criado pelo dramaturgo e escritor britânico J. M. Barrie em 1902, as pessoas começarem a se questionar se a produção é realmente para crianças ou muito adulta, tenha uma certeza: por mais que se trate de uma superprodução planejada comercialmente para atingir toda a família, o filme é essencialmente infantil, sem que isso acarrete nenhum aspecto pejorativo.

Em sua superfície, não é tão sombrio quanto outras recentes prequels ou versões live-action de contos de fadas. O caráter lúdico dos efeitos especiais no amplo uso de CG vai ao encontro da narrativa vista a partir do olhar de uma criança; agora Peter, em vez da menina Wendy, como se está habituado pelo texto de Barrie. Além disso, no entanto, há uma série de questões espinhosas colocadas em maior ou menor grau na trama que, à primeira vista, seriam chamadas de adultas, mas que, na verdade, são problemáticas também comuns aos primeiros anos de vida. Abusos, tráfico de crianças, ditadura, sustentabilidade, genocídio e exploração infantil são conteúdos implícitos na obra, mostrando como a infância pode ser dolorosa para algumas pessoas.

Com a proposta de levar o público a entender como Peter Pan (primeiro grande papel do australiano Levi Miller, de 13 anos) e Capitão Gancho (Garrett Hedlund) se tornaram inimigos eternos, criando um passado em que eles eram verdadeiramente amigos, o roteiro de Jason Fuchs – A Era do Gelo 4 (2012) – realoca a história três décadas depois da criação do personagem. Ainda bebê, o garoto é deixado na porta de um orfanato em Londres por sua aflita mãe (Amanda Seyfried) e, mesmo com o passar dos anos, vivendo em plena Segunda Guerra Mundial em um abrigo onde é constantemente maltratado, ele espera reencontrá-la.

Contudo, a vida dele muda quando percebe que outros meninos do orfanato estão sumindo durante a noite. Isso porque a madre e diretora do local, a Mãe Barnabas (Kathy Burke), está vendendo as crianças para piratas, como ocorre com ele em uma madrugada, quando um navio voador sobrevoa o lugar e bucaneiros o raptam. Eles o levam para a Terra do Nunca, que está dominada por um déspota: o famoso e temido Barba Negra (Hugh Jackman), que transforma o local em uma espécie de grande Serra Pelada ao explorar diversos órfãos que trabalham no garimpo de Pixum, o conhecido pó de fada em forma mineral que o ditador busca para rejuvenescer.

Na mina, Peter conhece James Gancho (Hook, no original), um tipo aventureiro malandro que acaba se tornando, meio a contragosto, seu companheiro em sua jornada na Terra do Nunca, em que também se depara com os nativos, uma mistura das culturas indígenas, aborígenes e indiana, liderados pela caucasiana Princesa Tigrinha (Rooney Mara). Releitura multiétnica da tribo Pickaninny, escrita por Barrie com todos os estereótipos dos nativos norte-americanos com um termo que se referia tanto a crianças negras quanto aos aborígenes, sua líder, ao menos, ganha o destaque que não tem no original ou em adaptações passadas. Do livro, também constam os famosos crocodilos e as sereias (todas com o rosto da modelo e atriz Cara Delevingne), mas em aparição breve.

Após um início dickensiano, o longa traz a mitologia grega de Pan, deus da floresta, nas lendas e costumes nativos da Terra do Nunca e no pingente do garoto, com ecos messiânicos. Além das referências no orfanato cristão, uma representação do julgamento popular comandado por Pilatos na figura do Barba Negra e a própria origem mista do garoto metade humano, há o mito do Escolhido imbuído através da profecia local. A ideia da predestinação aparece aqui mais como muleta do roteiro, que achou no artifício o caminho mais fácil para o interesse e adesão de Peter na revolução e o apoio alheio, mas, de qualquer modo, se torna benéfica quando o próprio menino rejeita este título, reforçando a mensagem de autoconfiança que o filme passa às crianças.

Com uma filmografia calcada em adaptações literárias, é possível notar duas direções muito claras na carreira de Wright: o quanto a fidelidade ao texto original foi dando lugar às suas aspirações criativas e, igualmente, seu virtuosismo técnico foi ganhando mais espaço nas obras – os planos-sequências dos bailes de Orgulho e Preconceito (2005) foram a semente do magnífico take único de quase cinco minutos de Desejo e Reparação (2007), na praia de Dunquerque durante a Segunda Guerra, e frutificaram na encenação teatral de Anna Karenina (2012). Tratando-se, então, de uma prequel, Peter Pan dá vazão à expressão do cineasta inglês, que mostra uma mão irregular aqui.

Ele acerta, por exemplo, na criação das animações da árvore da memória e das águas para servir de ferramenta aos flashbacks, assim como no uso de clássicos do rock nos momentos de “pão e circo” do Barba Negra, com Smells Like Teen Spirit do Nirvana e Blitzkrieg Bop do Ramones cantados pela multidão de jovens, que dão ao garimpo da Terra do Nunca um ar misto de musical e do clima apocalíptico de Mad Max: Estrada da Fúria. Uma escolha ousada, mas justificada, dentro da lógica daquele universo, quando o pirata diz que estão ali órfãos de todos os lugares do mundo, de todas as épocas.

Outro motivo de elogio é o trabalho da fotografia de John Mathieson – Gladiador (2000) – e seu recorrente parceiro Seamus McGarvey, em conjunto com a direção de arte de Aline Bonetto – O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) –, para criar uma paleta que vai dos tons extremamente escuros da Londres em guerra, passando pela variação marrom da mina, até chegar à explosão de cores da tribo nativa, que se torna literal na batalha do segundo ato, que mais parece o indiano Festival Holi.

Em contrapartida, a trama corre apressada mais próximo do final, assim como a ação da história se torna exagerada e há certa overdose aos sentidos, apesar da qualidade dos efeitos especiais. Wright aumenta a frequência de planos entrecortados no decorrer das cenas de luta, resultando em uma cacofonia que dificulta a percepção de alguns movimentos e identificação dos personagens, e prejudica até na profundidade do 3D, que é bem mais eficiente na ambientação pela dimensão durante o resto da produção.

Pesa também o fato de que, fora certa curiosidade em como criar um passado para esses personagens, o espectador não espera algo muito surpreendente, por pisar em terreno já conhecido, além da falta de diversão que acomete os personagens. Mesmo assim, a equipe consegue fazer um filme em nada tedioso, mesmo que não seja tão marcante. O novato Miller carrega bem a história, ainda que sem toda a altivez e rebeldia esperadas de Pan, enquanto Mara empresta certo encanto à sua princesa guerreira, mas falta-lhe material para aprofundar a personagem. Barba Negra e Gancho são cartunescos, mas o tom acima cabe mais ao vilão de Jackman do que ao aventureiro de Hedlund, que pende mais para um Indiana Jones caricato.

Contudo, a verdadeira vilã da trama é a Mãe Barnabás e a leitura de que a Terra do Nunca não passa de uma abstração de Peter confere à obra uma riqueza maior. Ao garoto órfão, disléxico, vítima de maus-tratos e humilhações, a fuga da realidade se mostra a única maneira de autodescoberta e aceitação. Assim, Wright não retorna ao seu filme anterior sobre a vida encenada, e sim a Desejo e Reparação, pois aos que não têm a chance de fazer isso no dia-a-dia, só lhes resta recorrer à imaginação para criar um novo eu.

(Pan - 2015)

Nenhum comentário:

Postar um comentário