sexta-feira, 16 de maio de 2014
O Som ao Redor (2012)
Em "O Som ao Redor", primeiro longa de ficção do crítico e cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, as tensões e contradições sociais do Brasil se materializam nos barulhos que cada camada da sociedade é capaz de fazer. O que nos define é o som que somos capazes de produzir, e não aquele que somos obrigados a ouvir – é nesse sentido que se dão a luta de classes e o abismo social.
Premiado em diversos festivais - Roterdã, Rio, Gramado, entre outros – "O Som ao Redor" foi escolhido pelo jornal norte-americano The New York Times como um dos melhores filmes do ano passado, sendo definido, na crítica no periódico, como “revelador”. Não é para menos, o diretor, que também assina o roteiro, capta com sagacidade as contradições de uma sociedade que vive sob os resquícios de um sistema opressivo e desigual e resiste a superar o coronelismo.
O cenário é Recife, mas poderia ser qualquer centro urbano brasileiro devorado por prédios e especulação imobiliária, onde o Estado parece não ter mais função e a sociedade civil toma para si algumas das obrigações do governo – como a segurança. A chegada de um grupo de profissionais da área – liderado por Clodoaldo, interpretado com perfeição por Irandhir Santos – traz a desestabilização da ordem, na qual o rico proprietário Francisco (W. J. Solha) exerce o mando como uma espécie de poderoso chefão do bairro.
De certa forma, Francisco simboliza todos aqueles “coronéis” típicos de um antigo Nordeste, que mandam e desmandam, passando por cima de tudo, afinal, têm o dinheiro e, consequentemente, o poder. Uma cena, que poderia ser quase banal, é a prova e o símbolo desse poder que tudo ignora e desafia – quando o personagem, em um passeio noturno, entra no mar exatamente onde há uma placa onde se lê: “Cuidado: área sujeita a tubarões”.
Francisco começa a dividir responsabilidades com seus descendentes. O mais indicado é o neto mais velho, João (Gustavo Jahn), agente imobiliário que começa um namoro com Sofia (Irma Brown). O mais revelador sobre o personagem é a peculiar relação dele com sua empregada. Há uma autêntica amizade entre eles – ele nem se importa quando os netos pequenos dela tomam conta de sua casa. Mas quais os limites dessa liberdade?
Outra camada da sociedade que aparece no filme é representada por Bia (Maeve Jinkings), mãe de família classe média, dona de casa cujo maior problema, além do calor infernal, é o cachorro que não pára de latir na casa ao lado. Ela vive no mesmo bairro de Francisco e sua família. Mas uma clara delimitação social impede que as narrativas se cruzem de verdade. O que funciona como elo entre as classes são os seguranças, que, paradoxalmente, aumentam a vulnerabilidade de todos.
Eles ficam ali, bem na esquina, o tempo todo, dia e noite, observam a vida dos moradores da rua, quem entra, quem sai, a que horas chegam. Também tomam conta da casa de quem viaja, ficam com a chave para regar as plantas, mas também desfrutar da cama e das bebidas às escondidas. E o que querem essas pessoas? Do que são capazes? É aí, já no final, que as fotos iniciais fazem todo sentido, e o ressentimento de classe ganha força.
Como se antecipa a partir do título do longa, o som – cujo desenho é assinado por Pablo Lamar, e o som direto por Nicolas Hallet e Simone Dourado – tem um papel preponderante na narrativa: é um personagem. O filme sugere até um exercício: preste atenção aos sons que você é capaz de emitir, e também naqueles que você ouve todos os dias. Qual a implicação social que existe em cada um deles?
Os ruídos que produzimos, diz "O Som ao Redor", revelam quem somos. Aqueles que ouvimos, onde e como vivemos. É nesse plano – no embate entre os dois – que se materializam as contradições sociais de nosso país. É uma percepção e um viés bastante original para abordar um assunto tão antigo quanto a vida em sociedade. E assim, Kleber Mendonça Filho fez uma obra-prima, um filme que tem muito a dizer sobre o estado de coisas contemporâneo do país.
(O Som ao Redor - 2012)
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