segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
Sicario: Terra de Ninguém (2015)
"Sicario: Terra de Ninguém" foi extremamente bem-realizado e aprofunda-se num clima impiedoso desde a primeira cena. A narrativa é eletrizante, seguindo um mergulho no inferno da agente do FBI Kate Macer (Emily Blunt). Oficial experiente, ela comanda uma investida contra uma casa pertencente a um cartel de drogas, num deserto perto do Phoenix, no Arizona, da qual resulta uma impressionante descoberta de horrores.
O sucesso da iniciativa provoca o convite para Kate integrar um time composto por agentes da CIA, como Matt (Josh Brolin) e Alejandro (Benicio del Toro), para uma operação de grande envergadura contra cartéis mexicanos na fronteira deste país com os EUA – que tem seu centro nervoso em Ciudad Juárez, uma das cidades mais violentas do mundo.
A grande sacada do filme, no entanto, é não só colocar em primeiro plano uma visão do mundo como um palco de guerra permanente o que leva a refletir sobre como o respeito a regras ou a qualquer protocolo legal está sendo pura e simplesmente abandonado em nome de um conceito autoritário de segurança. Ou seja, não há lugar para idealistas nem heróis, papeis a que Kate parece se credenciar.
O fato de ela ser a única mulher num grupo masculino é usado de maneira eficiente dentro da trama, a partir de situações de ironia, confronto e tensão. Até a figura fisicamente frágil e a beleza de Emily Blunt caem na justa medida de sua personagem, que é 100% humana, nada super-heroína, mas forte o bastante para sobreviver nesta selva em que todas as aparências enganam e todos os valores parecem torcidos.
Nomeado aos Oscar de Fotografia, Trilha Sonora e Edição de Som.
(Sicario - 2015)
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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Será Que? (2013)
Apaixonar-se pelo melhor amigo é uma droga. Como é quase certo que todos algum dia já passaram - ou passarão por isso - não é difícil para o público se identificar com Wallace, protagonista interpretado por Daniel Radcliffe em "Será Que?". No filme de Michael Dowse, o ator dá vida a um jovem inglês que abandonou a faculdade de Medicina e ainda sofre com o rompimento de seu namoro quando conhece a animadora Chantry (Zoe Kazan) em uma festa, em Toronto.
A sintonia entre os dois é instantânea e eles passam a noite conversando. Até que, ao levá-la para casa, o rapaz é surpreendido: a garota já tem namorado – e de longa data – e propõe que sejam amigos. Wallace desiste dela no início, mas, ao encontrá-la ocasionalmente no cinema, não resiste e engata uma amizade com Chantry.
Na ocasião, o personagem foi assistir a seu filme preferido, A Princesa Prometida (1987), de Rob Reiner, diretor de outro longa que é, claramente, uma referência para este: Harry & Sally – Feitos um Para o Outro (1989). Alçado à categoria de clássico, a comédia romântica protagonizada por Meg Ryan e Billy Crystal foi seguida desde então por uma série de outras produções voltadas à questão da (im)possibilidade de homens e mulheres serem apenas amigos. E, nos últimos tempos, é notável a variação do tema em Amizade Colorida (2010) e Sexo Sem Compromisso (2010), quando também há envolvimento sexual na relação.
Apesar de ser um assunto tão recorrente nas telas, Será Que? tem como vantagem revisitá-lo de uma maneira bem agradável para o espectador. O roteiro de Elan Mastai, que adapta a peça Toothpaste and Cigars, de T.J. Dawe e Michale Rinaldi, apela para o humor físico em raros momentos, já que o foco de sua comicidade está no próprio texto. Os diálogos rápidos, sarcásticos e precisamente em sintonia do casal de protagonistas é envolvente, mesmo que fujam um pouco da realidade. Somados à animação dos desenhos da protagonista, que trabalha na área, e à trilha sonora indie, com direito a Edward Sharpe and Magnetic Zeros e Palma Violets, é impossível não vir à memória o clima de (500) Dias com Ela (2009).
No rastro da última comédia romântica cult, o novo trabalho de Michael Dowse, diretor de Uma Noite Mais que Louca (2011) e Os Brutamontes (2011), subverte alguns clichês do gênero. A sequência clássica do aeroporto é uma delas, assim como o cuidado em não personificar o antagonista como um canalha; Ben (Rafe Spall) pode até não ser um noivo totalmente interessante, mas está sempre preocupado com sua relação, mesmo estando distante de Chantry, quando viaja a trabalho para Dublin. Embora ceda um pouco em seu desfecho mais otimista, o filme ainda mantém um frescor ao dar a sua personagem feminina a chance de não desprezar sua própria carreira.
Zoe Kazan – neta do grande cineasta Elia Kazan –, aliás, é certeira no tom cômico de sua Chantry, como fez também em Ruby Sparks: A Namorada Perfeita (2012), firmando seu talento para comédias leves. Também conta a boa química entre ela e seu companheiro em cena, que não chega a atingir o mesmo nível dela aqui. Ainda assim, Daniel Radcliffe entrega uma performance carismática o suficiente para distrair o público de seu passado como Harry Potter.
(The F Word - 2013)
Cinco Graças (2015)
Um dos cinco candidatos ao Oscar de filme estrangeiro 2016, o drama "Cinco Graças" retrata a sufocante situação da mulher na Turquia, focalizando a jornada de cinco irmãs adolescentes numa pequena cidade do interior.
Dirigido e co-roteirizado pela cineasta estreante Deniz Gamze Ergüven, o filme começa com uma bela sequência na praia. No último dia do ano escolar, as irmãs Sonay (Ilayda Akdogan), Ece (Elit Iscan), Selma (Tugba Sunguroglu), Nur (Doga Zeynep Doguslu) e Lale (Günes Sensoy) dispensam o transporte escolar e voltam para casa a pé, junto ao mar. São acompanhadas pelos colegas meninos, com quem brincam na água, todos ainda de uniforme.
No repressivo ambiente interiorano, a inocente aventura ganha ares de escândalo. “Denunciadas” por uma vizinha, que pintou a brincadeira como se tratasse de um jogo sexual, as meninas, que são órfãs, são retiradas da escola e aprisionadas em casa por seus guardiões, a avó (Nihal G. Koldas) e o tio Erdol (Ayberk Pekcan).
A partir dali, grades são colocadas nas janelas e seus figurinos drasticamente alterados, para atender à rígida moral islâmica. As meninas não podem manter outras atividades que aprender a cozinhar, costurar e bordar, as únicas consideradas apropriadas a futuras esposas e mães. Apesar de sua pouca idade, logo seus tutores se encarregam de procurar casamentos para elas, nos quais, evidentemente, elas não terão qualquer voz ativa.
Contrastando com a dureza de seu confinamento, a própria beleza e desabrochar, inclusive sexual, das meninas bate na tela com força, assim como sua luta por pequenas brechas que possam dar vazão a sua energia represada. O afeto entre elas é a força que alimenta uma cumplicidade pelas pequenas escapadas de Sonay para ver o namorado e a insólita aventura coletiva para assistir a um jogo de futebol – esta uma das sequências mais inspiradas do filme.
Equilibrando este jogo entre repressão e delicadeza, a diretora percorre temas espinhosos, como o incesto e a violência familiar, fugindo do risco de maniqueísmo com a apresentação de figuras masculinas positivas, como o jovem motorista de caminhão Yasin (Burak Yigit).
Nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (França).
(Mustang - 2015)
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domingo, 21 de fevereiro de 2016
Guerra (2015)
O comandante Claus Michael Pedersen (Pilou Asbæk) está parado com seus homens em Helmand, no Afeganistão. Enquanto isso, na Dinamarca, a esposa de Claus, Maria (Tuva Novotny), e seus três filhos lutam dia após dia sentindo sua falta. Em uma missão de rotina, os soldados são capturados em um fogo cruzado com o Talibã. Para salvar os seus homens, Claus toma uma decisão que fará com que ele retorne para a Dinamarca acusado de um crime de guerra.
Nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (Dinamarca).
(Krigen - 2015)
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Shaun: O Carneiro (2015)
Não é preciso ser um especialista ou um atestado cinéfilo para identificar o DNA de cada estúdio de animação entre as produções do gênero. O público sabe que poderá rir e chorar na mesma intensidade e ter os mais diversos níveis de reflexão nas histórias complexamente simples da Pixar, como em Wall-E (2008), Toy Story 3 (2010) e Divertida Mente (2015), e que tem reflexos hoje na própria Disney. Prepara-se para se divertir com a mescla de ingenuidade e sarcasmo do humor de cativantes personagens das franquias da Dreamworks – de Shrek a Como Treinar o Seu Dragão –, uma fórmula seguida, à sua maneira, pela Blue Sky de A Era do Gelo e a Illumination de Meu Malvado Favorito.
E se, no japonês Studio Ghibli, o espectador irá encontrar a fantasia e o drama em traços detalhados que vão além do anime tradicional – a exemplo de Meu Amigo Totoro (1988), A Viagem de Chihiro (2001) e Vidas ao Vento (2013) –, quem aprecia o stop motion sabe que a técnica é a marca da norte-americana Laika e da britânica Aardman. A diferença é que a primeira tem predileção por temas sobrenaturais e mais sombrios – vide Coraline e o Mundo Secreto (2009) e Os Boxtrolls (2014) –, enquanto o toque mais artesanal diferencia personagens animalescos e humanos da outra.
Os ingleses de Bristol têm em seu currículo desde a participação no marcante videoclipe de Sledgehammer, de Peter Gabrielaté o recente longa Piratas Pirados (2012), entre os quais, seus maiores sucessos são A Fuga das Galinhas (2000) e os curtas e o longa dos icônicos Wallace e Gromit. É justamente do curta da franquia do cachorro e seu dono, Tosa Completa (1995),vencedor da categoria no Oscar de 1996, que surgiu o carneiro Shaun, que ganharia sua própria série anos depois. Exibida no canal infantil CBBC – no Brasil, foi retransmitida inicialmente no Disney Channel e hoje está na TV Cultura – desde 2007 em quatro temporadas, a animação sobre o líder do rebanho de uma pequena fazenda no norte da Inglaterra já recebeu um Emmy Internacional.
Os episódios que nem chegam a sete minutos de duração ganharam nova dimensão agora no cinema em Shaun, o Carneiro (2015), longa-metragem de Mark Burton e Richard Starzak, ganhador do júri popular no último Anima Mundi do Rio de Janeiro. Os 85 minutos da produção, no entanto, não se transformam em uma versão estendida do programa televisivo, pois os personagens embarcam em uma aventura que foge do universo rural que permeia a série. Tudo isso porque o carneiro está cansado da rotina na fazenda Mossy Bottom e, assim como em suas histórias na TV, planeja uma escapada com seus amigos ovinos.
O problema ocorre quando, após fazerem seu dono dormir, o trailer onde o Fazendeiro – sim, o nome dele é assim, genérico – descansava começa a se deslocar e desenfreadamente segue na estrada rumo à Big City, a “Cidade Grande” que é uma amálgama de Londres e outras metrópoles inglesas sem identificar qualquer ponto turístico. O cão de pastoreio Bitzer tenta seguir o veículo, mas não consegue evitar o acidente que causará uma cômica amnésia no homem. Com a fazenda em um completo caos, a casa tomada pelos porcos e muita saudade de seu dono, os carneiros e ovelhas são guiados por Shaun em direção ao centro urbano em busca do Fazendeiro, desencadeando uma sequência de confusões ao despertarem a atenção do rigoroso e incansável inspetor do controle de animais Trumper.
Mesmo para quem conhece a linguagem da série, próxima à do cinema mudo, se surpreende com sua efetividade em uma história mais extensa. Ao contrário do que se possa imaginar, o som tem papel fundamental no filme, já que os ruídos característicos dos animais são ampliados para mostrar suas emoções, assim como os grunhidos dos seres humanos, em conjunção com a trilha sonora assinada por Ilan Eshkeri. Este aspecto especial só valoriza o trabalho dos modeladores e animadores em relação às expressões dos personagens, muito mais detalhados aqui do que na TV, já que a dimensão da tela do cinema era uma preocupação da equipe técnica.
Quanto à trama, a história continua simples para o entendimento de crianças das mais tenras idades, como na essência do programa no qual Richard Starzak é um dos criadores e diretores. Mas a presença de Mark Button, que já escreveu Madagascar (2005) e outras animações além das produzidas pela Aardman, no roteiro e na direção garante ao longa um vigor contemporâneo não visto na série, quase que atemporal.
Para os espectadores mais antigos, agora jovens, e os pais que acompanharão o público majoritariamente infantil, o filme entrega piadas sobre redes sociais, músicas modernas – e com letra – e várias referências de arte pop. Os pôsteres “estilo Obama” de Shepard Fairey, os murais do Banksy, Wolverine, a famosa capa do Abbey Road dos Beatles e citações a Breaking Bad (2008-2013), Taxi Driver (1976) e O Silêncio dos Inocentes (1991) são apenas alguns exemplos.
Se o único senão é a falta de desenvolvimento da personalidade de muitos personagens, Shaun, o Carneiro tem dois trunfos ao seu favor: o humor pastelão da aventura desses bichinhos na cidade grande é universal e conquista toda a plateia, assim como o senso de amizade e família que dá lugar à competitividade vista na série e marca este filme desde a sequência inicial.
Nomeado ao Oscar de Melhor Filme em Animação.
(Shaun the Sheep Movie - 2015)
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Oscar 2016
sábado, 20 de fevereiro de 2016
45 Anos (2015)
A partir de um tratamento sóbrio, mas sempre estimulante, o diretor britânico Andrew Haigh extrai incansavelmente novas camadas do retrato de um relacionamento maduro no drama 45 Anos.
Com muito mérito, foram premiadas como as melhores interpretações do mais recente Festival de Berlim os veteranos atores ingleses Charlotte Rampling, 69 anos, e Tom Courtenay, 78. Um dos grandes prazeres de assistir ao filme é presenciar como eles encarnam o dilacerante confronto de um velho casal, Kate e Geoff Mercer, na semana em que completam 45 anos de vida juntos.
Num tom sutil, o diretor leva os espectadores a compartilhar a rotina terna deste par, que se prepara para a festa destas mais de quatro décadas de convivência. A casa confortável no campo, os passeios de Kate com o cachorro, as refeições a dois, a leitura ou a assistência à televisão juntos transmite a sensação de entrosamento e paz conquistada depois de todo esse tempo. Mas a tranquilidade é abalada pela chegada de uma carta.
Detalhes desconhecidos do passado de Geoff vêm à tona quando ele é avisado da descoberta, nos Alpes Suíços, do corpo de sua antiga namorada, Katya, que desaparecera nas montanhas cobertas de neve, há mais de 50 anos. Sua existência não era segredo para Kate, certamente. Mas nem tudo que a envolvia foi compartilhado por Geoff antes de se casarem.
É visível que a reaparição deste fantasma penosamente esquecido abala muito Geoff, que parece ter batido num iceberg em alto-mar e estar à deriva. A habitual segurança da contida Kate igualmente vai cedendo, como se ela também estivesse sendo lançada para longe da terra firme pelas revelações sobre a mulher morta. Morta, mas ao que parece, nunca sepultada.
O tema em si, extraído de um conto de David Constantine, não é raro ou incomum. O que torna o filme peculiar é a maneira como este episódio vai sendo desvendado e vivido, de formas distintas, pelo casal até então tão unido na crença de conhecer completamente um ao outro. Até mesmo a franqueza, nada sutil, de Geoff para responder às crescentes dúvidas de Kate sobre esse passado acabam tornando-se um veneno sutil, que corroi sua habitual racionalidade. A dama de aço fraqueja e se agita. Mas, apesar de tudo, a festa está marcada e cabe a ela completar os preparativos.
É singular e muito eficiente a maneira como o diretor se mostra capaz de envolver o espectador neste embate surdo entre os dois, neste tumulto interior não totalmente compartilhado. Afinal, todo mundo tem ou teve alguma vivência de relacionamento. Outro êxito é que a idade dos personagens é realmente um detalhe. Uma situação parecida poderia abalar outro casal, de outra idade, até dois parceiros do mesmo sexo, com a mesma intensidade. É de sentimentos que o filme fala, tocando profundamente.
Nomeado ao Oscar de Melhor Atriz (Charlotte Rampling)
(45 Years - 2015)
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O Centenário que Fugiu Pela Janela e Desapareceu (2013)
Durante a sua longa existência, Allan Karlsson não só foi testemunha dos eventos mais marcantes do século XX, como foi parte integrante de alguns deles. Hoje está num lar de idosos e sente-se inconformado com a vida que lhe foi imposta. No dia em que cumpre o seu 100.º aniversário ele resolve escapar da festa que lhe prepararam e desaparece. Veste a sua melhor roupa, sai pela janela do quarto e segue em direção ao mundo, decidido a usufruir do tempo que lhe resta, longe da monotonia daquele lugar.
Sem qualquer plano em mente ou desejo particular, o velho senhor apenas sabe uma coisa: vai fazer o que lhe manda seu coração aventureiro e não o que lhe ditam todos os que julgam saber o que é melhor para si. A aventura da sua vida começa verdadeiramente quando, na rodoviária pega inadvertidamente numa mala cheia de dinheiro roubado. De mala e bengala na mão, o ancião transforma-se no alvo de um perigoso gangster que não poupa medidas para recuperar o que é seu. Mas, apesar do seu século de vida, Allan Karlsson não é propriamente uma vítima indefesa!
Escrito e realizado por Felix Herngren, uma comédia romântica sobre recomeços que adapta o "best-seller" internacional escrito, em 2009, pelo jornalista sueco Jonas Jonasson.
Nomeado ao Oscar de Maquiagem.
(Hundraåringen som klev ut genom fönstret och försvann - 2013)
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Os Oito Odiados (2015)
Antes de mais nada, Os oito odiados, oitavo filme dirigido por Quentin Tarantino, é uma revisita a tudo o que o inquieto diretor fez e também a suas referências. Ele mostra, assim, que não procura adentrar novo território e sim afinar suas ferramentas narrativas.
Em mais de um sentido, Tarantino olha para o passado. Sua história aqui se passa no século 19, num Wyoming coberto por uma densa neve, pouco depois do fim da Guerra Civil americana. O gênero, que ele revisita uma segunda vez depois de Django Livre (2012), é o faroeste, sempre com um foco firme tanto na questão racial norte-americana como nos faroestes espaguete de Sergio Leone. E, como sempre, se está no terreno em que Tarantino se sente mais à vontade, sua peculiar mistura de exasperação, excessos, humor negro, violência e provocações aos postulados politicamente corretos.
Tudo isso e um pouco mais define o enredo do novo filme, que os brasileiros não o verão no formato em que foi originalmente filmado, o velho 70 mm – isto porque não foi possível, no país, resgatar dos antigos projetores em funcionamento. Assim, o filme será visto por aqui em scope digital.
Muitos rostos na tela são de velhos conhecidos de outros filmes do diretor, caso de Samuel Jackson, Kurt Russell, Michael Madsen, Walton Goggins e Tim Roth, além de outros novatos em sua filmografia, como Bruce Dern e Jennifer Jason Leigh, única personagem feminina de peso no núcleo principal, que aqui recebeu , aos 54 anos, sua primeira indicação ao Oscar (de atriz coadjuvante)
Jennifer interpreta a prisioneira Daisy Domergue, assassina confessa e condenada, sendo levada para execução por um implacável caçador de recompensas, John Ruth (Kurt Russell). Conhecido como “Carrasco”, o único princípio que parece capaz de seguir é entregar seus prisioneiros vivos, já que sua integridade física pouco lhe importa. A própria Daisy, que não é bem flor que se cheire, vive levando pancadas de seu captor.
Os dois são os únicos ocupantes de uma diligência, conduzida por um cocheiro, O.B. Jackson (James Parks), rumo à cidade de Red Rock, onde se dará o enforcamento da assassina. No meio do caminho, salta-lhes à frente um candidato a carona, o major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) – um ex-militar da União, atualmente caçador de recompensas que, ao contrário de Ruth, prefere levar seus prisioneiros bem mortos.
A contragosto e por conta da neve infernal, Ruth acaba concordando em levar Warren – embora a desconfiança seja mútua e natural. Logo mais, outro passageiro se impõe: Chris Mannix (Walton Goggins), que sustenta ser o novo xerife a caminho de Red Rock.
O pequeno espaço da diligência fica atulhado destes tipos, de cuja sinceridade se pode sinceramente duvidar. E as coisas ficam ainda mais sinistras quando, por conta da nevasca, param no meio do caminho, no bar e hospedaria da Minnie (Dana Gourrier).
Para começar, a dona não está. Quem recebe os hóspedes é um mexicano, Bob (Demian Bichir), que se diz novo empregado da casa mas que nenhum dos fregueses habituais viu antes. Além disso, outros três tipos estão ali dentro: o general Confederado Sandy Smithers (Bruce Dern), o carrasco Oswaldo Mobray (Tim Roth) e Joe Gage (Michael Madsen), que escreve sem parar num caderno.
Como gosta de fazer desde sua estreia, em Cães de Aluguel (92), Tarantino aposta na desconfiança máxima em relação ao que seus personagens dizem, jogando tudo numa tensão potencializada pela situação claustrofóbica deste bando de desconhecidos ilhados no meio do nada, cercados de neve grossa por todos os lados.
Embalado pela trilha vencedora do Oscar 2016 do veterano compositor italiano Ennio Morricone, que colabora com ele pela primeira vez, o diretor estica ao máximo a expectativa da tragédia iminente. Como sempre, ele aposta muito nos diálogos provocativos, que vão delimitando o terreno dos duelos que se espera a qualquer momento que vão ser assumidos pelos muitos revólveres à disposição.
Os flashbacks, marca registrada do diretor, aqui são mais econômicos – mas, nem por isso, menos eficazes. O filme começa com uma abertura e, lá pela metade das quase três horas de duração, tem um capítulo intermediário que explica muito do que se viu antes e prepara o que vem depois. Neste jogo com o tempo e a expectativa, está o melhor de Tarantino. E, para quem prevê vingança e banhos de sangue, não perde por esperar.
Nomeado aos Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante (Jennifer Jason Leigh) e Fotografia. Vencedor do Oscar de Trilha Sonora Original.
(The Hateful Eight - 2015)
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Oscar 2016,
Vencedor do Oscar
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
007 Contra Spectre (2015)
A primeira impressão ao final do novo filme da saga de James Bond, 007 Contra Spectre é a de que sua história foi reduzida. Embora seja vigoroso e impecável tecnicamente, reside nele uma expectativa de superar plano a plano o legado deixado, não só pela longeva franquia, mas precisamente pela tetralogia vivenciada pelo ator Daniel Craig, que chega ao fim nesta produção.
Mas como o diretor Sam Mendes poderia superar o próprio trabalho, Skyfall (2012)? Depois de todo o refinamento, seja na perícia fotográfica (de Roger Deakins), no trabalho do elenco ou mesmo no desenvolvimento dos personagens, a expectativa para ...Spectre sempre esteve muito alta.
E Mendes ainda precisou, em mais uma mostra que se encerrou a era de Daniel Craig (embora não seja oficial), pôr fim às questões levantadas desde Cassino Royale (de Martin Campbell) e Quantum of Solace (de Marc Forster), sobre quem estava por trás de todo o mal, nunca explicado. A resposta é Spectre.
Em uma estilizada tomada única em meio à Festa dos Mortos na Cidade do México, já vemos James Bond atrás de um mafioso italiano Sciarra (Alessandro Cremona). Sua missão é matá-lo, mas antes de atirar, escuta que ele tem um plano de explodir um estádio. O instinto do agente secreto fala mais alto e, após causar uma explosão que destrói o bairro, dá início a uma ensandecida perseguição, com direito a rasantes de helicóptero em meio à multidão (na Praça Zócalo).
Sciarra é a ponta de um novelo a ser desenrolado por Bond, que atua sempre à revelia de seu novo chefe M (Ralph Fiennes), contando com o apoio dos agentes Q (Ben Whishaw) e Moneypenny (a bela Naomie Harris). Estes por sua vez têm suas próprias ameaças para resolver, quando C (Andrew Scott), o novo diretor do serviço secreto britânico, pretende fundir o MI5 e o MI6, desmantelando o programa de M.
Bond se vê, assim, sozinho para aniquilar a organização criminosa global, a Spectre, que, descobre-se depois de um encontro com a nada inconsolável viúva de Sciarra (uma má aproveitada Monica Belluci), ser liderada pelo enigmático Oberhauser (Christoph Waltz). Para encontrar o vilão, o agente ainda contará com a ajuda de um antigo desafeto (dos primeiros filmes) o Mr. White (Jesper Christensen).
A ajuda virá na pele de sua filha Madeleine Swann (Léa Seydoux, que se dá muito bem no papel de Bond Girl), aqui, o interesse amoroso e não apenas casual de Bond.
Com o enredo armado e repleto de ação, o filme corre para o ato final em uma velocidade com pouco equilíbrio. O rigor estético de Mendes enfraquece frente à necessidade de reunir as histórias e criar seu desfecho de forma harmônica. O mesmo pode ser dito do roteiro, que cede ao sentimentalismo exagerado, um pouco fora de quadro em um filme de James Bond.
Porém, esses percalços não desmerecem o conjunto, ou mesmo a tetralogia, que mudou a forma e o estilo de 007, não apenas o seu rosto, mantendo a mitologia consagrada através de décadas. Mendes percebe isso e não deixa de fazer homenagens a esse rico passado, nas múltiplas referências que introduz em seu trabalho, como assentos ejetores ou gatos brancos da vilania, que rememoram títulos da década de 1960, como Dr. No ou Goldfinger (este, já lembrado em Quantum of Solace).
Spectre, enfim, se mostra menos refinado que seu anterior Skyfall, mas não deixa de ser uma produção viril, com seus efeitos grandiosos e elenco estelar. Além disso, aponta, finalmente, para um amadurecimento do protagonista.
Vencedor do Oscar de Melhor Canção ("Writing's On The Wall")
(Spectre - 2015)
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domingo, 14 de fevereiro de 2016
Straight Outta Compton: A História do N.W.A. (2015)
Há um momento em ¨Straight Outta Compton: A História do N.W.A.¨ em que um grupo de hip-hop desafia a polícia, e, em um show para milhares de pessoas, canta “F-ck tha Cops” – é uma das cenas mais poderosas do filme, não apenas pela apresentação vibrante, mas porque, até hoje, (infelizmente) os abusos do poder contra jovens afroamericanos persiste nos EUA (e não apenas lá). O longa, um épico sobre uma cultura pouco conhecida, retrata os anos de 1990, mas é impossível não fazer a ponte entre o passado e o presente.
O mundo do hip-hop nunca mais foi o mesmo depois de 1988, quando o N.W.A.(Niggaz Wit’ Attitude) lançou seu primeiro álbum (que dá título ao longa), fazendo um retrato honesto pungente da vida dos jovens afroamericanos do sul de Los Angeles. O gênero musical ganhou a força de canções de protesto – retratando o cotidiano e a opressão que enfrentava. Dirigido por F. Gary Gray, o filme segue alguns caminhos típicos das cinebiografias, mas, por contar com um material tão forte e pungente, consegue evitar muitos clichês.
No final dos anos de 1980, a Era Reagan, mesmo com a criminalidade em alta, a região de Comptom presenciou a ascensão de um tipo de música conhecida como “reality rap”, ao trazer para suas letras a realidade dos jovens de um estrato da sociedade, negligenciados pela indústria cultural.
Ice Cube (interpretado por seu filho, O'Shea Jackson Jr.), Dr Dre (Corey Hawkins), Eazy-E (Jason Mitchell), DJ Yella (Neil Brown Jr.), and MC Ren (Aldis Hodge) formam o grupo, e seu empresário é Jerry Heller (Paul Giamatti). Ao longo de quase três horas, acompanha-se uma narrativa épica sobre a ascensão (e a decadência de alguns membros) do grupo, e a forma como cada um lidou com a fama e o dinheiro.
Não há dúvida, Gary e os roteiristas (entre eles Jonathan Herman e Andrea Berloff), evitam assuntos mais polêmicos envolvendo os rapazes, como a misoginia das músicas e acusações de agressão contra mulheres – como é bem documentado na internet. Tudo isso passa batido, e o único vilão aqui – capaz de agredir fisicamente pessoas – é o segurança Marion “Suge” Knight (R. Marcos Taylor), que mais tarde se tornaria empresário musical.
Ainda assim, ¨Straight Outta Compton: A História do N.W.A.¨ é capaz de apresentar a música como um foco de expressão específica de um determinado grupo e forma de resistência que encontraram contra seus opressores. Algo que pode, e deve, ressoar no presente.
Nomeado ao Oscar de Roteiro Original.
(Straight Outta Compton - 2015)
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The Hunting Ground (2015)
Neste ano Lady Gaga já ganhou um Globo de Ouro e quem sabe ela poderá ganhar um Oscar! Afinal a música tema deste documentário é de sua autoria.
A tão polêmica questão aqui abordada é a da violência sexual sofrida por estudantes de famosas universidades norte-americanas. Diversas vítimas relatam os abusos sofridos e como é difícil lidar com esta realidade. Além disso, a impunidade dos estupradores é aqui denunciada. A maioria das universidades não punem os estupradores e ainda acusam as vítimas pelo ocorrido.
Documentário denúncia que vale a pena ser visto.
Nomeado ao Oscar de Melhor Canção (Til It Happens to You).
(The Hunting Ground - 2015)
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