domingo, 21 de fevereiro de 2016

Shaun: O Carneiro (2015)


Não é preciso ser um especialista ou um atestado cinéfilo para identificar o DNA de cada estúdio de animação entre as produções do gênero. O público sabe que poderá rir e chorar na mesma intensidade e ter os mais diversos níveis de reflexão nas histórias complexamente simples da Pixar, como em Wall-E (2008), Toy Story 3 (2010) e Divertida Mente (2015), e que tem reflexos hoje na própria Disney. Prepara-se para se divertir com a mescla de ingenuidade e sarcasmo do humor de cativantes personagens das franquias da Dreamworks – de Shrek a Como Treinar o Seu Dragão –, uma fórmula seguida, à sua maneira, pela Blue Sky de A Era do Gelo e a Illumination de Meu Malvado Favorito.

E se, no japonês Studio Ghibli, o espectador irá encontrar a fantasia e o drama em traços detalhados que vão além do anime tradicional – a exemplo de Meu Amigo Totoro (1988), A Viagem de Chihiro (2001) e Vidas ao Vento (2013) –, quem aprecia o stop motion sabe que a técnica é a marca da norte-americana Laika e da britânica Aardman. A diferença é que a primeira tem predileção por temas sobrenaturais e mais sombrios – vide Coraline e o Mundo Secreto (2009) e Os Boxtrolls (2014) –, enquanto o toque mais artesanal diferencia personagens animalescos e humanos da outra.

Os ingleses de Bristol têm em seu currículo desde a participação no marcante videoclipe de Sledgehammer, de Peter Gabrielaté o recente longa Piratas Pirados (2012), entre os quais, seus maiores sucessos são A Fuga das Galinhas (2000) e os curtas e o longa dos icônicos Wallace e Gromit. É justamente do curta da franquia do cachorro e seu dono, Tosa Completa (1995),vencedor da categoria no Oscar de 1996, que surgiu o carneiro Shaun, que ganharia sua própria série anos depois. Exibida no canal infantil CBBC – no Brasil, foi retransmitida inicialmente no Disney Channel e hoje está na TV Cultura – desde 2007 em quatro temporadas, a animação sobre o líder do rebanho de uma pequena fazenda no norte da Inglaterra já recebeu um Emmy Internacional.

Os episódios que nem chegam a sete minutos de duração ganharam nova dimensão agora no cinema em Shaun, o Carneiro (2015), longa-metragem de Mark Burton e Richard Starzak, ganhador do júri popular no último Anima Mundi do Rio de Janeiro. Os 85 minutos da produção, no entanto, não se transformam em uma versão estendida do programa televisivo, pois os personagens embarcam em uma aventura que foge do universo rural que permeia a série. Tudo isso porque o carneiro está cansado da rotina na fazenda Mossy Bottom e, assim como em suas histórias na TV, planeja uma escapada com seus amigos ovinos.

O problema ocorre quando, após fazerem seu dono dormir, o trailer onde o Fazendeiro – sim, o nome dele é assim, genérico – descansava começa a se deslocar e desenfreadamente segue na estrada rumo à Big City, a “Cidade Grande” que é uma amálgama de Londres e outras metrópoles inglesas sem identificar qualquer ponto turístico. O cão de pastoreio Bitzer tenta seguir o veículo, mas não consegue evitar o acidente que causará uma cômica amnésia no homem. Com a fazenda em um completo caos, a casa tomada pelos porcos e muita saudade de seu dono, os carneiros e ovelhas são guiados por Shaun em direção ao centro urbano em busca do Fazendeiro, desencadeando uma sequência de confusões ao despertarem a atenção do rigoroso e incansável inspetor do controle de animais Trumper.

Mesmo para quem conhece a linguagem da série, próxima à do cinema mudo, se surpreende com sua efetividade em uma história mais extensa. Ao contrário do que se possa imaginar, o som tem papel fundamental no filme, já que os ruídos característicos dos animais são ampliados para mostrar suas emoções, assim como os grunhidos dos seres humanos, em conjunção com a trilha sonora assinada por Ilan Eshkeri. Este aspecto especial só valoriza o trabalho dos modeladores e animadores em relação às expressões dos personagens, muito mais detalhados aqui do que na TV, já que a dimensão da tela do cinema era uma preocupação da equipe técnica.
Quanto à trama, a história continua simples para o entendimento de crianças das mais tenras idades, como na essência do programa no qual Richard Starzak é um dos criadores e diretores. Mas a presença de Mark Button, que já escreveu Madagascar (2005) e outras animações além das produzidas pela Aardman, no roteiro e na direção garante ao longa um vigor contemporâneo não visto na série, quase que atemporal.

Para os espectadores mais antigos, agora jovens, e os pais que acompanharão o público majoritariamente infantil, o filme entrega piadas sobre redes sociais, músicas modernas – e com letra – e várias referências de arte pop. Os pôsteres “estilo Obama” de Shepard Fairey, os murais do Banksy, Wolverine, a famosa capa do Abbey Road dos Beatles e citações a Breaking Bad (2008-2013), Taxi Driver (1976) e O Silêncio dos Inocentes (1991) são apenas alguns exemplos.

Se o único senão é a falta de desenvolvimento da personalidade de muitos personagens, Shaun, o Carneiro tem dois trunfos ao seu favor: o humor pastelão da aventura desses bichinhos na cidade grande é universal e conquista toda a plateia, assim como o senso de amizade e família que dá lugar à competitividade vista na série e marca este filme desde a sequência inicial.

Nomeado ao Oscar de Melhor Filme em Animação.

(Shaun the Sheep Movie - 2015)

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