sábado, 6 de novembro de 2010
Amantes Constantes (2005)
O preto-e-branco muito contrastado evoca o clima de um álbum de fotografias. E é com esse afeto, às vezes temperado pelo distanciamento, que o diretor-roteirista francês Philip Garrel visita seu baú de lembranças de Paris em 1968. Não há pressa neste mergulho intenso e delicado, que ocupa três horas na vida de seus espectadores. Ao final da sessão, eles poderão ter tido a sensação de uma viagem num túnel do tempo, compartilhando as sensações dos dias em que a revolução dos jovens sonhou quebrar a corrente do poder do mundo e os rumos a que conduziu sua desilusão na entrada da vida adulta.
Fora o tema, um mesmo ator, Louis Garrel, filho deste diretor, faz a ponte entre este filme e “Os Sonhadores” (2003), em que o italiano Bernardo Bertolucci construía suas próprias memórias de 1968. Este parentesco une dois trabalhos que são, no entanto, bem diferentes no seu tom e intenções. O foco de Bertolucci está naquele momento presente, o de 68, num trio de personagens que se encerra num huis clos ao invés das ruas, ainda que sua vivência corresponda em tudo àquilo que acontece lá fora. O foco de Garrel, por sua vez, reside na angústia que toma conta de seus participantes no dia seguinte à descoberta de que a utopia das ruas já terminou.
Como uma peça de teatro, a história evolui em atos bem marcados. O primeiro é o momento da guerra campal nas ruas, batizado de “Esperanças de Fogo”. E são repletos de chamas os cenários em que estudantes e policiais se enfrentam. Há um mundo antigo terminando nessas cinzas, soterrado por paralelepípedos arrancados das ruas e carros destroçados. Nos seus escombros, jovens e idealistas que não sabem dizer como tudo começou, nutridos pelas ideologias da época, de Marx a Mao, se desgastam em assembleias.Tentam fazer a revolução, ainda que seja apesar do proletariado em nome de quem dizem falar.
No próximo ato, “Esperanças Fuziladas”, a vida adulta começa à força. François (Louis Garrel), jovem poeta que escapou à convocação do serviço militar, deve dar satisfações à justiça. Corre o risco de prisão e alguém, cinicamente, lembra que Baudelaire e Rimbaud, poetas maiores da França, precisaram ser presos para afiar sua arte. François, no entanto, consegue ficar solto. E conhece Lilie (Clotilde Hesme), a escultora com quem vive uma história de amor.
A luz estoura quando os amantes se encontram, ao som da música de piano. Mas não porque a história conduza a uma explosão romântica. É muito mais um filme existencialista, que encarna um distanciamento de 68 que a Nouvelle Vague poderia ter filmado, se não tivesse acontecido antes. “Os Amantes Constantes” é certamente uma homenagem a esse espírito da Nouvelle Vague. Tem a mesma urgência do movimento liderado por Truffaut e Godard de capturar o presente, o presente da história que se procura contar, como se ela estivesse acontecendo agora mesmo. Só que usa um tom de elegia, dando tempo aos personagens de pensar, com mais palavras e mais afeto do que Antonioni colocaria num enredo assim. Não chega a ser um réquiem nem um lamento. É como aquele retrato na parede que, como diria Drummond, dói quando a gente olha. Mas a gente não quer arrancar de lá nem deixar de olhar.
(Les Amants Réguliers - 2005)
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