sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Farrapo Humano (1945)



Antes de “Farrapo Humano”, bêbados em Hollywood eram em sua maioria figuras cômicas; na verdade, caricatas: bufões adoráveis cambaleando, fazendo piadas com a voz arrastada e passando cantadas em garotas bonitas. Billy Wilder e Charles Brackett, seu co-roteirista habitual, ousaram fazer algo diferente, criando a primeira abordagem adulta, inteligente e impiedosa do cinema americano da terrível degradação do alcoolismo. Mesmo hoje em dia, algumas cenas são quase dolorosas demais de assistir.

Ray Milland, em um papel que definiu sua carreira e lhe rendeu seu primeiro Oscar, interpreta Don Birnam, um escritor nova-iorquino lutando contra seu vício e finalmente sucumbindo a ele no espaço de um longo e calorento fim de semana de verão na cidade. Assim como fizera com Fred MacMurray em “Pacto de Sangue”, Wilder deslinda e explora avidamente a insegurança por trás da persona cinematográfica afável de Milland. Em vez de deixar que nos distanciemos e julguemos Birnam com uma compaixão imparcial, Wilder nos empurra junto com ele para o abismo. Somos obrigados a acompanha-lo à medida que ele abdica de todos os seus escrúpulos, mostrando-se disposto a mentir, trair e roubar para arrancar dinheiro para beber, até que, de forma terrívelmente inevitável, acaba no inferno de uma ala de alcoólatras de um hospital público gritando de horror diante das alucinações do delirium tremens.

Algumas partes do filme foram rodadas em locações em Manhattan, e Wilder aproveita ao máximo as ruas secas e banhadas de sol, filmadas por seu diretor de fotografia John F. Seitz para parecerem áridas e vulgares, como se estivessem sendo vistas através do olhar turvo e autodepreciativo de Birnam. Em uma sequência inesquecível, o escritor, que se rebaixa a ponto de tentar penhorar sua máquina de escrever para conseguir dinheiro para bebida, atravessa toda a poeirenta 3rd Avenue arrastando a máquina pesada – apenas para descobrir que é Yom Kippur e todas as lojas de penhores estão fechadas. Mais angustiante ainda é a cena em que uma boate em que Birman sucumbe à tentação e tenta roubar dinheiro da bolsa de uma mulher – apenas para ser pego e humilhantemente jogado para fora enquanto o pianista lidera a clientela em um coro que canta “Somebody Stole Her Purse” à melodia de “Somebody Stole my Gal”. A trilha de Miklós Rózsa faz uso magistral do teremim, o antigo instrumento eletrônico cuja sonoridade sinistra e oscilante evoca perfeitamente a visão de mundo embriagada e fora de controle de Birmam.

A censura do Código de Produção impôs um final feliz, embora Wilder e Brackett tenham conseguido evitar algo muito absurdamente animador. Mesmo assim, a Paramont estava convicta de que o filme seria um fracasso, com a alarmada indústria de bebidas oferecendo ao estúdio 5 milhões de dólares para que ele fosse enterrado de vez. Os adeptos da Lei Seca, por outro lado, estavam em polvorosa, afirmando que ele encorajaria o hábito de beber. Apesar de tudo, “Farrapo Humano” foi um grande sucesso de crítica e de público. “Foi depois dele”, afirmou Wilder, “que as pessoas começaram a me levar a sério”. Nenhum outro filme posterior sobre o alcoolismo, ou sobre qualquer outra forma de vício, conseguiu evitar uma mesura a “Farrapo Humano”.

Vencedor dos Oscars de Melhor Filme, Direção (Billy Wilder), Ator (Ray Milland) e Roteiro. Indicado nas categorias de Fotografia, Edição e Música.

(The Lost Weekend - 1945)

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