terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Nascido Para Matar (1987)

Em “Barry Lyndon”, outro filme de Stanley Kubrick, a principal cena de batalha mostra uma luta que nunca chegou aos livros de História, conforme relata o narrador, “apesar de ter sido memorável para aqueles que dela participaram”. Quando Kubrick decidiu fazer um filme sobre o Vietnã, baseou-se nessa abordagem, logo após as diversas tomadas fantásticas e ansiosas de Francis Ford Coppola (Apocalipse Now) e Oliver Stone (Platoon) terem estabelecido um vocabulário cinematográfico amargo para aquela guerra, em meio a névoa de ácido e napalm. “Nascido Para Matar” revela outra faceta do mundo dos soldados de infantaria do Exército norte-americano, no qual todos os oficiais, comandantes de batalhão ou não, são seres alienígenas ridículos mas mortíferos (até as prostitutas, dizem eles, “são oficiais a serviço da guerra”). Os heroicos marines, que caminharam longa e penosamente em tantos filmes como “Dá-me tua mão”, são garotos com apelidos engraçados, sem a menor noção de onde estão ou o que estão fazendo.

Baseado no romance autobiográfico “The Short-Timers”, de Gustav Hasford, com contribuições do roteirista Michael Herr (autor de Dispatches e da narrativa de “Apocalipse Now”) “Nascido Para Matar” é brutal, espirituoso, assustador e comovente em iguais proporções, representando situações de guerra raramente vislumbradas no cinema. Uma longa ação de abertura se passa na Ilha Parris, o centro de exame e treinamento de novos recrutas. Após uma montagem na qual jovens de cabelos compridos são tosados para se tornarem robôs carecas tão indistintos quanto os personagens futurísticos do longa “THX 1138”, de George Lucas, o filme é comandado pelo impressionante R. Lee Erney, como o sargento instrutor Hartman, cujos obscenos, originais e cruéis maus tratos contra os recrutas são destinados a subjulgar totalmente os “vermes”, antes que possam ser reconstruídos como máquinas de matar. Durante um sermão, Hartman orgulha-se do fato de que Lee Harvey Oswald e Charles Whitman aprenderam a atirar com os marines. A terrível ironia dessa sequência, similar ao regime de treinamento de “Spartacus”, é que o resultado lógico da transformação de um gorducho atrapalhado em um dos grotescos homens-macacos de Kubrick, com um penetrante olhar primal, lembra tanto o bando de vândalos de “Laranja Mecânica” quanto Jack Torrance em “O Iluminado”. A primeira providência do recém-criado marine é assassinar seu torturador/criador e depois se suicidar.

Após esse evento, as sequencias do Vietnã são quase um alívio. Enquanto o soldado raso Joker, um jornalista, relaxa um pouco e encontra outros indivíduos ainda mais insanos, o metralhador de um helicóptero dá uma resposta técnica à pergunta sobre como é capaz de matar mulheres e crianças (“É fácil, faça mira não muito a frente delas”) e um coronel faz a seguinte observação: “Filho, tudo o que peço a meus fuzileiros é que eles obedeçam às minhas ordens como obedeceriam às palavras de Deus.” O apogeu é um conflito durante a batalha nos escombros da cidade de Hue, onde o pelotão de Joker encontra uma franco-atiradora vietnamita. Ninguém vence essa batalha, e a tropa de fuzileiros marcha noite adentro cantando a canção do Clube do Mickey Mouse. Somente Kubrick ousaria provocar Disney assim.

Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado.

(Full Metal Jacket - 1987)

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