sábado, 25 de agosto de 2012

Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011)


Em “Millennium – Os Homens que não Amavam as Mulheres”, quando Lisbeth Salander (Rooney Mara) está em cena, é impossível desviar os olhos da tela. E, quando ela não está, é impossível não torcer para que ela volte logo. A personagem, ou a atriz (a essa altura já nem é mais possível separar uma da outra), se tornou um ícone cultural e sexual pós-ciberpunk de nossa era, hacker e, ao menos tempo, uma garota frágil. Seu visual, às vezes, andrógino, que abusa dos piercings e roupas de couro preto, é um convite à curiosidade – mas, ao cair esse verniz externo, encontra-se uma garota fragilizada, desesperada em busca de proteção e, uma vez, que não encontra isso, precisa se defender sozinha.

O sucesso da personagem é bastante justificado – não apenas porque ela mostra-se capaz de penetrar nos computadores mais remotos e protegidos, enquanto boa parte da humanidade encontra dificuldade em lidar com a senha do e-mail, mas porque ela representa a fragilidade e força que existem dentro de cada pessoa. No filme de David Fincher, Rooney Mara, assim como a atriz sueca Noomi Rapace (que fez a personagem na trilogia original), encontra a dimensão humana exata dessa figura enigmática. É curioso como as duas intérpretes trilham caminhos um tanto diferentes para a mesma figura.

Isso se deve muito à direção de cada um dos filmes. A versão de 2009, dirigida pelo dinamarquês Niels Arden Oplev, embora repleta de energia, parece um piloto de série de televisão perto do filme de Fincher, que expõe a alta voltagem sexual que, às vezes, ficava no subtexto dos romances. O roteiro de Steven Zaillian (Gangues de Nova York), porém, nem sempre consegue driblar os problemas narrativos do original, seguindo procedimentos tão comuns quanto banais no gênero – como A Grande Explicação que o vilão dará na cena climática. Ou a ingenuidade de Larsson em se tratando do mundo da mídia, embora ele tenha trabalhado como jornalista até sua morte, aos 50 anos em 2004. Por outro lado, apesar de poder desagradar aos mais puristas, Fincher e Zaillian conseguiram transformar a conclusão da história em algo mais cinematográfico, mudando algumas personagens do livro.

Ainda assim, a trama estabelece um diálogo entre passado (nazismo) e presente (ciberespaço). O elo é um jornalista abelhudo que acaba de ser condenado por calúnia – mas esse veredicto, como ele tentará provar, é injusto. Mikael Blomkvist é interpretado pelo atual James Bond, Daniel Craig. Por mais esforçado que seja, perto de Lisbeth/Rooney ele é uma figura pálida – mais por culpa do personagem do que do ator. No ostracismo depois de afastar-se da revista Millennium, Mikael aceita um trabalho de detetive, contratado por um ricaço (Christopher Plummer) que procura uma sobrinha desaparecida há quatro décadas.

A trama envolvendo o mundo jornalístico e o processo de Mikael se cruza com a investigação, quando o contratante oferece como pagamento provas contra o sujeito a quem o jornalista acusou e foi condenado por calúnia. Este segmento, porém, nunca é bem resolvido. A história de Lisbeth, órfã que depende de um tutor (Yorick van Wageningen) pouco escrupuloso, que libera o dinheiro da garota em troca de favores sexuais, encontra Mikael no meio de investigação e ela se torna uma figura fundamental.

A sobrinha desaparecida faz parte da família Vanger, que tem em seu armário mais esqueletos do que muitos cemitérios da Suécia. Nesse clã de pessoas estranhas, ricas e esnobes, Mikael trava contato apenas com Martin (Stellan Skarsgård), empresário que assumiu o lugar do tio ricaço e irmão da desaparecida. Os demais são seres que beiram o fantasmagórico – quase sempre se materializando do nada e trazendo um conselho para o jornalista abandonar a investigação.

Neva sempre e muito em “Os homens que não amavam as mulheres”. Neva o tempo todo. A tela, muitas vezes, está coberta do branco gélido que parece também se impregnar nos personagens. Nesse sentido, Lisbeth é um palito de fósforo aceso (comparação que fará mais sentido nos próximos filmes), derretendo a carapaça dessas pessoas. Fincher, que é dado a uma direção estilosa e elegante, não decepciona, mas, às vezes, se contamina pelo frio, distanciando-se de emoções que, a certa altura, irão incendiar a hacker e o jornalista.

Em outro filme de Fincher sobre procedimentos investigativos, Zodíaco (2007), o diretor trazia à tona cada prova de forma meticulosa, quase meditativa. Aqui, as evidências surgem na velocidade com que Lisbeth invade um computador, um e-mail ou uma conta bancária. Nas mãos dela, esquecemos que esses atos são criminosos. Ela é nossa garota, nossa heroína, aquela por quem torcemos e com quem nos tornamos detetives montando um quebra cabeças bizarro e perigoso.

Depois de um pequeno prólogo, entra em cena uma abertura tão bela quanto impressionante – assinada por Tim Miller, ao som de uma versão de Trent Razor e Karen O para “Immigrant Song”, do Led Zeppelin. A sequência, um pesadelo envolvendo cabos, teclados, óleo e várias das tatuagens de Lisbeth, estabelece, logo de saída, um patamar tão alto para o filme que Fincher, às vezes, tem dificuldade em manter. A excelente fotografia valoriza a paisagem gélida do norte da Suécia.

Como toda boa adaptação de um romance, “Os homens que não amavam as mulheres” toma como base a obra original, mas deixa-a de lado ao longo do processo, recriando em forma de cinema a trama literária. Por mais talentoso e técnico que Fincher seja, há algumas limitações da narrativa de que ele não consegue se livrar, como os exageros dos livros de Larsson. Porém, o diretor de “Clube da Luta” faz um filme honesto com base no material original. Sabe que, no fundo, está lidando com uma trama policialesca e rocambolesca. Ao centro está o horror – nas mais diversas formas – especialmente quando se materializam os homens citados no título.

Indicado ao Oscar de Fotografia, Edição de Som, Mixagem de Som e Melhor Atriz (Rooney Mara). Vencedor do Oscar de Edição.

(The Girl with the Dragon Tattoo - 2011)

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