sexta-feira, 22 de abril de 2011
Satyricon de Fellini (1969)
A popularidade dos filmes de arte europeus junto ao público americano começou com os filmes neo-realistas italianos da década de 40 e se ampliou com as obras engajadas e visionárias do sucessor mais influente daquele movimento, Federico Felini. Mais famoso, talvez, por suas produções que investigaram os hábitos e dificuldades da sociedade contemporânea - assim como outros na indústria cinematográfica italiana -, o diretor demonstrou interesse por reconstruções históricas. "Satyricon" é uma reinvenção épica de um texto de Petrônio sobre a vida no tempo de Nero. O filme "espaçoso" de Felini (a ação se desdobra em diversas partes do mundo romano) foi um êxito imediato de público nos cinemas de arte. As cenas chocantes de decadência, atos grotescos e humor negro mereceram uma classificação R no sistema de avaliação que havia sido recentemente implantado nos Estados Unidos, aproveitando-se da nova liberdade de expressão propiciada pelo fim do Código de Produção, o sistema de classificação anterior.
Ao mesmo tempo um retrato bastante fiel da Roma antiga, na tradição dos filmes históricos italianos, e uma remissão à revolução sexual da década de 60, "Satyricon" tem muito em comum com os primeiros filmes do diretor, em particular "A Doce Vida" (1960). Contudo, vários críticos acharam que ele não possuía a abordagem intelectualizada e as estilizações significativas dos filmes anteriores de Fellini. Certamente a ênfase em nudez e sexo foi um atrativo para determinados segmentos do público de "cinema de arte" do período. Seguindo de perto as características fragmentárias da narrativa original, Fellini criou 25 episódios distintos, unidos muito superficialmente pela presença do jovem e cínico Encolpio (Martin Potter). Como Odisseu, Encolpio se vê levado por uma série contínua de aventuras que beiram a morte e o desastre, mas das quais sempre consegue escapar.
A amizade de Encolpio e Ascilto (Hiram Keller) e a atração mútua por um belo e jovem escravo (Max Born) são colocadas no centro do filme, cujas guinadas e reviravoltas são muitas vezes difíceis de seguir. Uma coisa é certa, contudo: Encolpio, assim como o espectador, tem grande dificuldade em entender a moral e o comportamento de muitas das personagens estranhas que encontra. O filme é cheio de sequências memoráveis: um bordel cheio de clientes e prostitutas obesos, sacrifícios de animais com rios de sangue, um terremoto que derruba o edifício onde Encolpio estava hospedado, uma ninfomaníaca encontrada no deserto a quem Encolpio deve satisfazer, um encontro com um minotauro - como na famosa aventura de Teseu - e a riqueza impressionante da festa de Trimalquião (Mario Romagnoli), cujos hóspedes, dentro do espírito dos "novos-ricos", exibem uma vulgaridade assombrosa.
Na tradição picaresca, "Satyricon" não termina com o restabelecimento da ordem social, mas com a partida do herói para novas aventuras. Um comentário, talvez (como encontramos em outras obras de Fellini), sobre o hedonismo e o materialismo irrefreáveis da sociedade moderna, o filme é mais memorável como um festim de imagens surpreendentes, ou até mesmo chocantes, com rimas visuais e temas repetidos que impõem uma espécie de unidade ao fluxo contínuo. Lançado em 1972, "Roma de Fellini" é uma espécie de continuação, mas foi incapaz de recapturar a magia estranha e cativante do original.
Indicado ao Oscar de Melhor Direção (Federico Fellini)
(Satyricon - 1969)
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