domingo, 8 de janeiro de 2017
Animais Noturnos (2016)
Em sua estreia no cinema, em 2009, o renomado designer de moda norte-americano Tom Ford chamou a atenção com seu exercício dramático sobre a perda em Direito de Amar, belamente protagonizado por Colin Firth como o viúvo que perde o companheiro de muitos anos. Em seu segundo filme, o cineasta volta ao mesmo tema de modo diferente. O thriller psicológico Animais Noturnos opta pela tragédia humana deste animal que se esconde nas “trevas na noite” de cada ser humano, omitindo-se dos problemas que o dia-a-dia lhe apresenta ou despertando violentamente a qualquer momento.
A origem do filme está no romance de Austin Wright, Tony & Susan, publicado em 1993 e adaptado no roteiro do próprio Ford, que transforma a protagonista de professora de inglês em uma galerista bem-sucedida em seu trabalho com arte contemporânea em Los Angeles. Só que Susan (Amy Adams) não se sente mais realizada profissionalmente e vive um casamento estagnado na rotina com Hutton (Armie Hammer). O suficiente para que ela fique abalada ao receber um manuscrito do livro de seu ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal), intitulado “Animais Noturnos”. O enredo deste livro parte do ataque de um bando de rapazes e a brutalidade de suas ações contra a família de Tony Hastings (Gyllenhaal, também) em uma noite na estrada, no meio do Texas.
Em certo ponto do longa, a narrativa do cotidiano atual dela, interligada com a do livro que ela está lendo – a mais pungente, até pelo conteúdo do romance ficcional –, dá lugar a uma terceira, que recorda o passado de Susan com Edward. Aí mostra-se como começaram a namorar até a crise na relação deles, por causa das críticas da esposa ao trabalho do então aspirante a escritor, que culminou em seu fim traumático, especialmente para ele. Assim, o roteiro estabelece um paralelo entre as ações da trama literária e as de Susan com o autor, ainda que certas correlações sejam muito sutis e só se tornem claras ao público só ao final, especialmente para quem não leu a obra original de Wright.
Amy Adams confere nuances entre a Susan nem tão sonhadora como parece, de vinte anos atrás, e a bem-sucedida, mas amargurada, de agora. É uma atuação que a credencia para mais uma indicação ao Oscar – em 2017, aliás, ela chega forte também com A Chegada, de Denis Villeneuve. Como coprotagonista, Jake Gyllenhaal também encarna bem os dois personagens que tem em mãos. Igualmente se destacam a performance alucinada de Aaron Taylor-Johnson, indicado ao Globo de Ouro como coadjuvante, como o sádico Ray Marcus que ninguém quer encontrar no meio da noite e um ótimo Michael Shannon na pele do investigador Bobby Andes.
Também indicado a dois Globos de Ouro, como diretor e roteirista, Ford apresenta uma direção cada vez mais distinta, ainda mais em uma obra com narrativas, tempos e espaços diferentes. A trilha melodramática demais junta-se a enquadramentos que dão gravidade na parte de Susan e a diferenciam do viés mais realista justamente no conteúdo pretensamente ficcional, o do livro. É como se o diretor materializasse uma fala anterior do personagem de Michael Sheen, de que “o nosso mundo é menos doloroso que o mundo real”, em uma das ironias que faz da cena de arte contemporânea – e que é impossível não relacionar com o passado do estilista.
Metalinguagem pura, que explora a intimidade estabelecida entre leitor (ou espectador) e personagem, como espelho de si mesmo, entre a identificação e rejeição, Animais Noturnos é um filme que leva certo tempo para o público processar, não as informações mas os sentimentos que ele provoca, todos acerca da “precariedade de nossas vidas bem-protegidas", como sustenta o romance.
Nomeado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Michael Shannon).
(Nocturnal Animals - 2016)
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