terça-feira, 13 de fevereiro de 2018
Trama Fantasma (2017)
Em seu oitavo longa, Trama Fantasma, o diretor norte-americano Paul Thomas Anderson assinala mais um marco numa trajetória que procura a originalidade e a surpresa. Retratando um estilista obcecado pela perfeição (Daniel Day-Lewis) que persegue, em cada vestido, uma espécie de superação pessoal, a história espelha o cineasta em cada um de seus instigantes filmes – entre os quais se contam Boogie Nights, Magnólia, Sangue Negro e O Mestre.
Há um romance costurado à trama, mas ele é intensamente dark, quase um duelo, a princípio desigual, entre o poderoso estilista Reynolds Woodcock (Day-Lewis) e a ex-garçonete Alma (Vicky Krieps). Um caso que começa, para ele, como todos os outros, com seu envolvimento com uma mulher que ele transforma em modelo de suas criações, musa, amante e, finalmente, descarta, como uma roupa que não serve mais.
O intricado funcionamento desta teia emocional, tanto quanto da Casa Woodcock, a preferida entre ricas e famosas na Londres de 1950, é manejado pela irmã de Reynolds, Cyril (Lesley Manville), a única mulher que o faz eventualmente abaixar o olhar. Assim, ao ocupar seu novo lugar na casa, Alma tem que enfrentar não um, mas dois Woodcocks de espírito metálico.
Nada indica que ela esteja preparada para o que vem a seguir. Afinal a bela moça, de origem modesta, viu-se capturada no que parece um conto de fadas, tornando-se modelo das sofisticadas criações do designer famoso, frequentando ambientes sofisticados que nunca estiveram ao seu alcance. Mas há todo um outro lado obscuro que demanda nada menos do que a total sujeição de sua vontade.
O roteiro, mais uma vez da autoria de Anderson, apóia-se em conceitos como o de apetite, destacando a voracidade de Reynolds numa mesa de café da manhã como a primeira característica de que a então garçonete Alma terá de desincumbir-se. A fome de Alma, no entanto, viaja em direções diferentes de Reynolds e ela não tarda a ferir-se nos múltiplos espinhos de seu temperamento egocêntrico, duro, de escasso afeto e flexibilidade.
Outro dado importante é a figura materna que, no caso de Reynolds, significa a presença fantasma de que fala o título, uma mulher que, no passado, ensinou o ofício ao filho e tornou-se objeto de uma de suas primeiras criações, um vestido de noiva que encerraria sua viuvez e passou a integrar, por sua vez, a singular mitologia que move as fantasias deste criador, inegavelmente talentoso.
A fina escrita do roteiro materializa-se numa série de olhares e situações não-verbais, como a chegada das costureiras à casa Woodcock, sua afinação nas inúmeras tarefas, como uma orquestra que obedece aos movimentos de um maestro um tanto tirânico, dado a repentes, na verdade previsíveis.
É singular, por exemplo, a cena de outro café da manhã, em que Alma, já integrada à família, torna-se alvo da raiva de Reynolds pelos sons produzidos ao passar manteiga na torrada ou derramar seu chá na xícara. Afinal, a ideia de controle do estilista começa pelo silêncio que ele impõe à sua volta para que sua mente privilegiada possa viajar sem obstáculos.
Se é previsível a rebelião de Alma a tornar-se mais um fantoche nas mãos deste manipulador de vontades, não o são os caminhos pelos quais ela é capaz de expressá-la – e aí está um dos maiores prazeres deste roteiro, que estende suas ambições com um rigor que procura a elegância de um Luchino Visconti ao mesmo tempo que é capaz de tocar um mundo de pulsões subterrâneas com o qual Alfred Hitchcock foi capaz de alcançar suas maiores profundezas. Não por acaso, estas duas vertentes são entrelaçadas pela sofisticação do trabalho do figurinista Mark Bridges (vencedor do Bafta), do montador Dylan Tichenor e do compositor Jonny Greenwood, que assina a trilha que, embora quase onipresente, ajusta-se de maneira orgânica às emoções da narrativa.
Trama Fantasma recebeu seis indicações ao Oscar: melhor filme, direção, ator (a sexta para Day-Lewis, detentor de três estatuetas e que anuncia que este é seu último filme), atriz coadjuvante (a magnífica e versátil Lesley Manville), trilha original (Jonny Greenwood) e figurino (Mark Bridges), vencendo apenas na última. Não teria caído mal uma indicação à surpreendente atriz luxemburguesa Vicky Krieps, que brilha em sua primeira grande oportunidade no cinema e foi lembrada apenas em premiações de associações de críticos, como Boston e Chicago.
Nomeado ao Oscar de Melhor Filme, Direção (Paul Thomas Anderson), Ator (Daniel Day-Lewis), Atriz Coadjuvante (Lesley Manville) e Trilha Sonora. Vencedor do Oscar de Figurino.
(Phantom Thread - 2017)
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