segunda-feira, 26 de julho de 2010
Gran Torino (2008)
Republicano histórico, Clint Eastwood nunca representou tanto o espírito autocrítico da América que elegeu o democrata Barack Obama quanto em seus últimos filmes, em particular neste grave, belo e polifônico “Gran Torino”.
Seu personagem aqui, Walt Kowalski, é a própria encarnação da velha América, nostálgica de seu papel de heroína do mundo, que teve seu auge na II Guerra Mundial e entrou em declínio logo depois, na Guerra da Coréia. Uma guerra que tem, aliás, tudo a ver com a amargura deste personagem.
Os pesadelos de Walt são povoados dos rostos dos soldados orientais que ele matou naquela guerra, em que brotaram as primeiras sementes da Guerra Fria, lançadas também na II Guerra Mundial. Aposentado, viúvo e irascível, ele vê sua vizinhança em Detroit encher-se paulatinamente de outros rostos orientais, agora Hmongs.
Povo espalhado entre a China, Tailândia e o Laos, os Hmongs apoiaram os norte-americanos em outra guerra, a do Vietnã. Pagaram caro por isso. Com a vitória dos vietnamitas comunistas, os sobreviventes tiveram de refugiar-se nos EUA.
A densa história de Gran Torino, roteiro rico em nuances do novato Nick Schenk, registra também um comentário econômico. Walt sente falta de um tempo em que a América era a economia mais pujante do mundo e Detroit, sede da indústria automobilística, o seu umbigo. Ele mesmo foi funcionário da Ford e guarda na garagem uma pérola da coroa daqueles dias – um Gran Torino 1972 impecável, cuja pintura ele pole cuidadosamente todos os dias. Ao lado da cachorra Daisy, o carro é seu mais sólido afeto, já que com os filhos e netos ele não consegue encontrar qualquer denominador comum. E vice-versa.
Este ferrenho conservador contém um pouco de cada um daqueles personagens a que Eastwood, em sua longa carreira, soube dar sua cor única. Walt Kowalski é uma espécie de síntese e também de atualização de “Dirty Harry”, do treinador Frankie Dunn de “Menina de Ouro”, do Bill Munny de “Os Imperdoáveis” e de tantos outros “Homens sem Nome” de seus faroestes, capazes de transigir com as boas maneiras e até a higiene, com a ética, nunca.
Kowalski não faz nenhum esforço para ser simpático. Empunha permanentemente uma cara feia, grunhe ao invés de falar e dispara uma impressionante coleção de epítetos politicamente incorretos toda vez que cruza com seus vizinhos orientais e também os eventuais negros. Isso não impede que ele mergulhe aos poucos na família que mora ao seu lado, aproximando-se dos adolescentes da casa, Thao (Bee Vang) e Sue (Ahney Her).
O relacionamento entre eles começou errado, quando Thao, pressionado por um primo gângster, tentou roubar o Gran Torino da garagem. Como punição, sua mãe e avó, seguindo os preceitos de sua cultura, obrigam-no a prestar serviços para Walt – que a princípio rejeita, mas não lhe é permitido recusar.
O filme progride na direção de um confronto urbano bem realista, em que pessoas de bem são cercadas pelo crime organizado. Se a ética é o último reduto dos fortes, Clint Eastwood é o herói para todas as épocas, todas as estações. Bendita energia do veterano ator de mais de 60 filmes, diretor de outros 33 e, aos quase 79 anos, está cheio de energia para lançar dois filmes ao ano – como ele fez em 2008, com “Gran Torino” e “A Troca” e, em 2007, com “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”. Longa vida, mr. Eastwood.
Quanto à ausência deste filme primoroso até nas indicações ao Oscar 2008, melhor o silêncio.
(Gran Torino - 2008)
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