terça-feira, 26 de novembro de 2013
Jogos Vorazes: Em Chamas (2013)
O futuro em que se situa “Jogos Vorazes: Em chamas”, embora não pareça de forma explícita, é uma figuração do nosso presente. O mundo distópico de Panem, cuja Capital domina e subjuga os 12 distritos, explorando-os e deles retirando seus meios de sobrevivência, chega bem perto de um retrato de nosso mundo global, cujas forças imperialistas impõem suas necessidades e anseios sobre a periferia.
Se no primeiro filme, “Jogos Vorazes” (2012), era necessário um tempo para apresentar os personagens e o cenário, para só depois introduzir a ação de verdade, aqui, o diretor Francis Lawrence não precisa perder tempo com isso. O segundo filme começa de onde seu antecessor parou: Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e Peeta Mellark (Josh Hutcherson), vencedores da última edição dos Jogos Vorazes, são celebridades e começam um tour da vitória por todos os distritos, até chegar à Capital.
Baseado numa trilogia de livros da americana Suzanne Collins, a série Jogos Vorazes não é a típica franquia adolescente. A protagonista, por exemplo, não luta pelo amor do macho-alfa, mas por algo bem mais complexo e importante: sua sobrevivência. Se, por um lado, a violência quase explícita chama a atenção, por outro é o seu discurso rebelde que traz mais força aos livros e aos filmes – até agora adaptados com bastante fidelidade. A série combina elementos que fazem uma leitura bastante certeira de nosso presente, desde o totalitarismo radiografado em “1984”, de George Orwell, e a violência de “Laranja Mecânica”, o livro de Anthony Burgess e o filme de Stanley Kubrick, até chegar às simulações de filósofos como Jean Baudrillard, passando pela sociedade do espetáculo de Guy Debord.
Como nos reality shows – que de reais têm muito pouco –, os Jogos Vorazes são um espetáculo midiático, cujo maior prêmio é a sobrevivência. Todo ano, os distritos mandam dois “tributos’” (palavra muito irônica), que são sorteados entre os jovens. Katniss e Peeta, que se fingiram apaixonados, representaram o 12º distrito e venceram, pois ameaçaram se matar, ao invés de um deles matar o outro, como previa a regra.
Aparentemente, essa atitude rebelde semeou a contestação e o levante em diversos distritos, fazendo o presidente Snow (Donald Sutherland) procurar Katniss. Sabendo que matá-la seria criar uma mártir, Snow ameaça a família da garota, que no Tour da Vitória tem de demonstrar que o amor por Peeta é real. Na primeira parada, porém, ela percebe que não poderá voltar atrás, devendo levar adiante a transformação de sua personagem, que é simbolizada por um pássaro, o tordo. E, logo mais, ela e Peeta deverão voltar a correr perigo em mais um torneio, idealizado pelo novo Idealizador dos Jogos, Plutarch (Philip Seymour Hoffman), disputado apenas por vencedores de outras edições.
Como bem lembra Haymitch (Woody Harrelson), antigo vencedor dos jogos e mentor de Katniss e Peeta, a Capital precisa do romance deles para que os distritos esqueçam seus reais problemas. Os Jogos Vorazes nada mais são que um espetáculo para desviar a atenção das reais dificuldades de ordem econômica e política, aproveitando para vender uma ideologia do medo. É a grande questão que fica para o terceiro e quarto filmes (o terceiro romance da série será divido em dois longas) resolver, embora o caminho já tenha sido construído no segundo.
No primeiro filme, Katniss se transforma na “Garota em Chamas”, e, agora, no Tordo. Encantando-se com ela e torcendo por sua vitória e pelo romance com Peeta, as pessoas da Capital não percebem que estão simpatizando com a destruição de seu próprio modo de vida, que se tornou desumano. O primeiro passo é derrotar o sistema – e, conforme diz um personagem, “o sistema tem falhas”, como qualquer outro. São nessas fissuras que devem se embrenhar os germes da mudança. É notável quando essas se materializam no próprio jogo.
É intrigante, no entanto, em “Jogos Vorazes” a ausência de elementos que poderiam servir como ferramenta de opressão, como a religião. Os jogos servem, entre outras coisas, para substituir essas narrativas. É uma sociedade completamente materialista essa em que os livros e os filmes se situam, governada pela lógica da exposição e da dominação.
Em “A Sociedade do Espetáculo” (1967), o pensador francês Guy Debord diz que “o espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade e como instrumento de unificação”. Ao concentrar “o olhar e a consciência” dentro de Panem (cujo nome vem da expressão romana “panem et circenses”, pão e circo), os Jogos Vorazes são o lugar da falsa consciência, no qual a ideologia da meritocracia se potencializa e expande . Suzanne Collins e o diretor Francis Lawrence fizeram algo raro, um blockbuster com ideias bastante sérias, e uma tremenda crítica ao nosso mundo contemporâneo.
(The Hunger Games: Catching Fire - 2013)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário