sábado, 4 de fevereiro de 2012

Pro Dia Nascer Feliz (2006)


Que o Brasil é cheio de contrastes sociais e que o ensino no país anda defasado há muito tempo não é nenhuma novidade. Ainda assim, o documentarista João Jardim (Janela da Alma) encontrou algo novo a dizer sobre essas duas questões. Em seu “Pro Dia Nascer Feliz” o diretor mostra como os dois problemas estão intimamente ligados e que ainda é possível construir um país melhor.

“Pro Dia Nascer Feliz” retrata dois extremos e o abismo que existe entre eles. De um lado, uma pequena escola do interior de Pernambuco. Dentre seus estudantes está a adolescente Valéria, que aos 16 anos quer continuar os estudos apesar das dificuldades que enfrenta na região onde mora - longe da escola e com poucas perspectivas de um futuro melhor. Isso não a impede de compor poemas e dizer que ‘deveria ter uma péssima impressão da vida, se não fosse a paixão que tenho pela arte de viver’.

Num outro extremo está uma escola de elite na cidade de São Paulo. Jovens ricas que demonstram uma consciência social – ao menos algumas delas – mas que ainda estão preocupadas demais com seus estudos ou com suas outras atividades, como natação, ioga e vida amorosa.

São dois retratos distintos, que Jardim traça com honestidade sem ridicularizar ou tomar partido. Em vista das circunstâncias, não fica difícil aderir a Valéria, torcer para que ela vença as adversidades que parecem não lhe dar muitas opções no futuro.

Jardim não deixa de lado o que há entre esses extremos. Como toda escola de elite é parecida, o documentarista volta-se para as escolas da periferia dos grandes centros, onde os problemas são iguais e ao mesmo tempo distintos. No Rio de Janeiro, uma professora diz que seu aluno tem potencial, mas o tráfico é tentador demais. Já na Grande São Paulo, uma professora reclama de falta de estímulo e diz que ‘o professor perdeu a dignidade para trabalhar’. Ela não está exagerando. Cenas de discussão entre alunos e professores chegam a assustar aqueles que já saíram da escola há muitos anos.

Com um sutil diálogo entre diversas realidades, o documentarista questiona, entre outras coisas, o determinismo que prega uma estagnação do indivíduo na classe social na qual nasceu.“Pro Dia Nascer Feliz” prova que a educação pode ser ferramenta tanto de ascensão quanto de dominação. Curioso que numa das cenas na escola da elite, na aula de literatura, os alunos discutam o romance O Cortiço, de Aluízio Azevedo. Uma das obras mais importantes do naturalismo, o livro revela a complexa relação social entre dominadores e dominados, proprietários e inquilinos, ricos e pobres. Sintomático que pouca coisa tenha mudado desde quando o livro foi publicado, no final do século XIX. Isso Jardim mostra claramente.

“Pro Dia Nascer Feliz” prima não apenas por sua abordagem, mas também por imagens que comprovam seu olhar apurado para compor quadros visuais, não apenas painéis discursivos. Impossibilitado de mostrar o rosto de menores infratores, Jardim evita a surrada saída de usar a sombra do entrevistado ou o contra-luz, optando por imagens poéticas que contrastam com a triste realidade que os jovens contam.

“Pro Dia Nascer Feliz” termina com uma certa nota de otimismo – o que prova que nem tudo está perdido, que ainda é possível mudar essa realidade e a mudança tem que começar com os mais jovens. Por suas idéias e honestidade, é um filme poderoso.

(Pro Dia Nascer Feliz - 2006)

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