terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O Abutre (2014)


Protagonista e produtor do longa, o ator Jake Gyllenhaal empenhou-se visivelmente na construção do personagem de Louis Bloom, que vem lhe valendo indicações em premiações importantes, caso do Globo de Ouro e do Sindicato dos Atores. Seu esforço certamente não se esgota no aspecto físico, ainda que impressionem a perda de 15 kg e o rosto encovado em que os olhos esbugalhados se destacam. O personagem é o habitante ideal dos becos de Los Angeles, onde procura, aflito, algum meio de sobrevivência no desemprego.

Uma noite, ao presenciar um grave acidente de automóvel, em que a vítima ferida ficou presa nas ferragens, Louis descobre que esse tipo de situação é um prato cheio para repórteres free lancers, que chegam com suas câmeras junto com a polícia e os bombeiros, às vezes até antes deles. Homem solitário, de quem não se sabe o passado e cujas relações humanas são inexistentes – a internet é sua única fonte de informação -, Louis descobre ali uma espécie de vocação. Antes, sofre para descobrir do que precisa, já que veteranos como Joe Loder (Bill Paxton) não estão a fim de entregar o ouro a nenhum concorrente em potencial.

Correndo por fora, por seus próprios meios Louis consegue uma câmera e percebe que o segredo é entrar na frequência do rádio da polícia. A partir daí, ele se torna um perdigueiro das histórias de sangue, perseguindo acidentes, tiroteios, todo tipo de crime violento. É assim que ele encontra um meio de se afirmar no mundo.

Uma parceira nesta nova vida é Nina Romina (Rene Russo), veterana editora de uma emissora de TV de segunda linha, em que o trabalho de Louis começa a despontar, especialmente porque ele começa a seguir todos os conselhos dela, sem nenhum escrúpulo. Criador e criatura se completam num círculo vicioso, ainda que humano, que sintoniza a decadência, o medo de perder o espaço, a irrelevância num mundo marcado pela competição e a sede de sangue alheio, que satisfaz um público voraz, uma audiência crescente. "O Abutre" não foi feito para embalar o sono de ninguém, antes, para assombrar consciências sobre fenômenos que, se não são novos, continuam sinistramente atuais.

Nomeado ao Oscar de Roteiro Original.

(Nightcrawler - 2014)

sábado, 27 de dezembro de 2014

O Menino e o Mundo (2013)


"O Menino e o Mundo", de Alê Abreu (Garoto Cósmico) é um filme único – seja pela sua estética, seja pelo tema e a abordagem. Ao contrário da histeria e dos exageros de tantas animações recentes, aqui se prima por uma estética minimalista, que ganha ainda mais vida com seu colorido vibrante.

Escrito dirigido e montado por Abreu, o longa acompanha a jornada do Menino em busca do pai que saiu de casa buscando melhores condições de vida para a família. É um filme, claro, para o público infantil – mas não apenas. Há o lúdico, o ingênuo e engraçado, que vai falar direto às crianças. Mas é também um filme político, pois na trajetória do protagonista atravessam-se os diversos estágios que o capitalismo conheceu ao longo dos séculos.

O enredo começa com a família morando numa pequena fazenda, onde plantam para consumo próprio. O Pai, a Mãe e o Menino vivem uma vida simples, mas repleta de carinho e música. Quando surge a ideia de produção – que envolve patrão e empregado – esse pequeno paraíso desaba. A ida do Pai para a cidade é um sintoma da industrialização, do trabalho assalariado, da mecanização e repetição do gesto de trabalho, e, também, do aumento da exploração.

A cidade ao mesmo tempo se moderniza e evolui desgovernadamente, precisando lidar com as consequências. A cada novo estágio da produção, novos problemas surgem, o que inclui a perda da individualidade, até culminar no mundo globalizado, onde o centro explora a periferia em nível mundial. O ponto de vista do filme nunca abandona o olhar ingênuo do Menino, que assiste a tudo sem compreender direito todas as implicações – no entanto, essa lacuna é suprimida pelo público (especialmente adulto), capaz de compreender o significado mais amplo de cada cena.

Da dialética entre o Menino e o Mundo surge o enfrentamento, num primeiro momento. Ao mesmo tempo, é esse próprio mundo que está sendo destruído com o avanço do capitalismo. Nesse momento, rompe-se o lúdico e entram em cena momentos documentais de filmes como Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, ABC da Greve e Ecologia, ambos de Leon Hirszman, mostrando a degradação ambiental, estágio máximo a que chega a distopia futurista retratada no filme. Porém, é claro, fala-se do presente, e, nesse sentido, o filme serve com um sinal de alerta para as crianças.

Praticamente sem diálogos – algumas frases são faladas de trás para frente, como o nome do protagonista Oninem – os sons são fundamentais para contribuir na expressão dos sentimentos e na evolução da trama. O garoto guarda uma memória do pai – o som que ele produzia com uma flauta, e é essa lembrança que o guia na busca. A trilha sonora, composta por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, conta com a participação de Emicida, Naná Vasconcelos, GEM – Grupo Experimental de Música e Barbatuque.

As escolhas ousadas e arriscadas do diretor e sua equipe mostram sua razão de ser a cada cena – como outra coisa impressionante, o uso do branco. Com "O Menino e o Mundo", Abreu fez um pequeno milagre, um manifesto anticapitalista necessário e instigante que merece ser duradouro e visto por crianças e adultos também de muitas gerações por vir.

(O Menino e o Mundo - 2013)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Para Sempre Alice (2014)


A Dra. Alice Howland (Julianne Moore) é uma renomada professora de linguistica. Aos poucos, ela começa a esquecer certas palavras e se perder pelas ruas de Manhattan e assim é diagnosticada com Alzheimer.

A doença coloca em prova a força de sua família. Enquanto a relação de Alice com o marido, John (Alec Baldwin) se fragiliza, ela e a filha Lydia (Kristen Stewart) se aproximam.

Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Julianne Moore).

(Still Alice - 2014)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A Teoria de Tudo (2014)


Aos 73 anos recém-completados, Stephen Hawking é um fenômeno. Misto de cientista sério com celebridade, autor de bestsellers como Uma Breve História do Tempo, uma mente brilhante aprisionada num corpo travado pelos efeitos da esclerose lateral amiotrófica.

Já retratado em documentários, o autor inglês está no centro de uma cinebiografia, "A Teoria de Tudo", que adapta as memórias de sua primeira mulher, Jane Wilde Hawking, e coloca em primeiro plano o homem, antes do intelectual, e o longo relacionamento dos dois.

Evidentemente, o casamento entre Stephen e Jane, que se conheceram na universidade nos anos 1960, tem tudo para fugir ao convencional, a partir de sua própria concretização. Afinal, quando eles se casam, ele já recebeu o terrível diagnóstico de sua doença e uma virtual condenação à morte, uma vez que os médicos previram na época que ele não sobreviveria mais de dois anos. Isto há 50 anos atrás.

Mesmo afetado dramaticamente pelas progressivas perdas motoras de Stephen – que não o impedem de ter uma vida amorosa, três filhos e até brincar com eles -, o relacionamento se mantém e é o principal foco da história. Uma opção lógica, já que aqui se assume o ponto de vista de Jane.

Se recebeu críticas por essa predominância do aspecto pessoal sobre o científico, é certo que o filme não perde de vista o notável esforço de Hawking em explorar teorias ambiciosas, em torno da origem do universo e do início do tempo. Embora se dê uma ênfase um pouco exagerada à sua falta de fé religiosa, terreno de disputa com a mulher.

Nem por isso a história embarca no moralismo, retratando com admirável franqueza o modo como o casal enfrenta as fissuras do casamento quando entram em cena outras pessoas – como o professor de canto Jonathan (Charlie Cox) e a nova enfermeira, Elaine Mason (Maxine Peake). Expor estas particularidades do cientista nunca resvala para a vulgaridade. Antes, humaniza sua figura, singularmente bem-humorada, injetando mais realismo neste retrato, certamente parcial.

Nomeado a 5 Oscar: Melhor Filme, Ator (Eddie Redmayne), Atriz (Felicity Jones), Roteiro Adaptado e Trilha Sonora. Venceu na categoria de Melhor Ator (Eddie Redmayne).

(The Theory of Everything - 2014)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Aviões (2013)


Esta produção conta uma história sobre perseverança e coragem. Dusty é um avião pulverizador, isto é, passa seus dias espalhando vitaminas e fertilizantes em lavouras. Porém, ele quer ser mesmo um avião de corrida.

Apesar da descrença de seus pares, ele se candidata para uma difícil e mortal corrida ao redor do planeta, contra competidores de várias nacionalidades, incluindo aí a brasileira Carolina Santos Duavião (Sangalo). Um rol de personagens divertidos, como El Chupacabra, uma aeronave mexicana dramática e falastrona; Bulldog, o inglês que não chora por ser justamente inglês; e o vilão Ripslinger, que não perde um campeonato.

Dusty não deve apenas vencer seus concorrentes, muito mais potentes. Acima de tudo, precisa estar à frente daqueles que caçoam dele por perseguir seus sonhos e, ainda, superar seu curioso medo de altura. Esse é o mundo “acima de 'Carros'”, como brinca a própria propaganda.

O que incomoda em Aviões, no entanto, não é o fato de ser uma produção mediana, mas usar o sucesso do original Carros para vender este filme, que sequer é co-produzido pela Pixar. Não é incorreto, já que a Disney comprou a empresa em 2006, mas a sensação de puro apelo comercial é marcante.

(Planes - 2013)

sábado, 13 de dezembro de 2014

Uma Secretária de Futuro (1988)


Em Nova York, Tess McGill (Melanie Griffith) é secretária de escritório que lida com o mercado de ações. Demitida, consegue um novo emprego com Katharine Parker (Sigourney Weaver) e expõe suas ousadas ideias à sua chefe, ambicionando crescer na carreira.

Quando Katharine sofre um acidente e se afasta do escritório, Tess toma seu lugar e inicia uma inteligente parceria com Jack Trainer (Harrison Ford), com quem acaba se envolvendo romanticamente.

Vencedor do Oscar de Melhor Canção ("Let the River Run"). Indicado nas categorias: Melhor Filme, Atriz (Melanie Griffith), Atriz Coadjuvante (Joan Cusack e Sigourney Weaver) e Direção (Mike Nichols).

(Working Girl - 1988)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Interestelar (2014)


Em sua nova ficção científica, "Interestelar", o diretor inglês Christopher Nolan mira em "2001: Uma Odisseia no Espaço" e acerta em "Gravidade" – ou seja, aspira uma profundidade filosófico-existencial, mas cai na superficialidade da fascinação por efeitos especiais e truques, além de um falatório mais longo do que uma viagem espacial. Em todo caso, a força do filme está em suas imagens – já que sua trama é óbvia, beira o banal.

A Terra vive seus últimos dias. Crises generalizadas levaram muitas pessoas a abandonar suas profissões, tornando-se fazendeiro para produzir os alimentos básicos. Mas o solo de todo o mundo está tão degradado, por culpa de uma praga que assola as plantações, além de uma persistente nuvem de poeira, que cientistas começam a pensar na possibilidade de explorar novos planetas a serem colonizados. Se esse é o pano de fundo de "Interestelar", é na relação entre pai e filha que Nolan – que assina o roteiro com seu irmão, Jonathan Nolan - coloca o peso do filme.

Com a destruição das plantações, Cooper (Matthew McConaughey), que cultiva milho em sua fazenda, está com os dias contados. Um dia, ele foi piloto e sonhou em ser astronauta, mas as condições econômicas forçaram a NASA a fechar o programa espacial. Sua filha caçula, Murph (Mackenzie Foy), compartilha da paixão pelo espaço, tanto que um dos problemas que ela enfrenta na escola é acreditar que as missões à Lua realmente aconteceram – afinal, a história foi reescrita, e essas viagens agora são descritas apenas como propaganda para forçar a quebra da União Soviética.

Mas Cooper descobre que a NASA não só ainda existe como mantém um programa secreto para pesquisa da possibilidade de estabelecimento dos humanos em outro planeta. O mentor é Professor Brand (Michael Caine), responsável pelo Projeto Lazarus. A chance reside num buraco próximo a Saturno, capaz de permitir o acesso a uma outra galáxia, onde existem alguns planetas com possibilidades de servir de habitat.

A equipe é composta por Amelia (Anne Hathaway), filha do Professor Brand, Romilly (David Gyasi), um astrofísico, Doyle (Wes Bentley), o copiloto, e robô TARS (dublado por Bill Irwin). As cenas dentro da espaçonave são as mais fracas do filme, e os personagens não dizem muito a que vieram – especialmente Amelia, uma personagem sem graças ou nuances, candidata ao posto de chata da missão.

Os astronautas hibernam durante a viagem de 2 anos, que na Terra equivalem a 23 anos. Nesse período, a mudança mais considerável é que Murphy se tornou uma cientista e é interpretada por Jessica Chastain – que tem problemas com o pai que, na visão dela, a abandonou. E é esse laço que impulsiona o filme – afinal, Cooper está fazendo todo os sacrifícios pela filha e o filho (adulto, interpretado por Casey Affleck) e futuros netos.

De toda a promessa e jargão cientificista, "Interestelar" oferece muito pouco de ficção científica e se contenta apenas com um drama meloso sobre amor paternal e o destino da humanidade – o que faz pensar no risco que podemos estar correndo.

Nomeado a 5 Oscar: Direção de Arte, Trilha Sonora, Mixagem de Som, Edição de Som e Efeitos Especiais. Venceu na Categoria Efeitos Especiais.

(Interstellar - 2014)