sexta-feira, 24 de julho de 2015

Cada Um na Sua Casa (2015)


Há algo muito errado em uma animação voltada à família quando uma raça alienígena invade a Terra e coloca os humanos em campos de concentração. Pior: a única sobrevivente só faz amizade com o extraterrestre-protagonista porque ele não é bem-visto por sua espécie.

Em linhas gerais, "Cada um na sua Casa" é até bem-humorado, sensível e mesmo ágil, se não fosse a mensagem que carrega. Na história, o personagem Oh faz parte de uma raça alienígena que, acostumada com o auto-engano, invade planetas para “benefício de seus nativos”. Isso significa desalojá-los e enviá-los para qualquer lugar que não seja entre eles. Neste caso, a Austrália.

Na invasão, a humana adolescente Tip (cuja mãe, Lucy, foi sequestrada) fica pelo caminho. É quando conhece Oh, desajustado e, em linguagem corrente, “sem noção”, que foge de seus pares por ter enviado um convite de boas-vindas aos inimigos de sua raça. A Terra pode ser conquistada, portanto, uma segunda vez graças a ele.

Embora não seja violenta, há uma agressividade passiva na animação. Repleta de conflitos, a fantasia pode gerar desconforto e tensão, por conta de uma certa margem de leviandade.

(Home - 2015)

A Incrível História de Adaline (2015)


Não só as mulheres tentam esconder a idade e usar artifícios para parecer mais novas do que realmente são. Em vários aspectos, a sociedade é implacável com os mais velhos e, como espelho desta, Hollywood também faz o mesmo quando imortaliza suas estrelas, enquanto diminui suas oportunidades de trabalho, quando envelhecem. E em uma época em que as próprias atrizes têm discutido cada vez mais o sexismo na indústria cinematográfica – incluindo a recente polêmica no Festival de Cannes, onde mulheres foram barradas nas sessões por não estarem calçando sapatos de salto alto no tapete vermelho –, chega aos cinemas um filme que, apesar de suas falhas e seu caráter comercial, coloca todas essas questões em perspectiva.

"A Incrível História de Adaline", de Lee Toland Krieger, como o título brasileiro exalta, apresenta a vida desta personagem, cuja peculiaridade está justamente em sua idade, assim como descrito no nome original (The Age of Adaline). Nascida na São Francisco de 1908, Adaline Bowman (Blake Lively) teve uma trajetória muito comum em seu início: conheceu o amor, formou uma família e teve seus grandes sofrimentos quando ficou viúva. Até que, aos 29 anos, sofreu um acidente de carro em um dia atípico de neve na Califórnia, em que sofreu uma grave hipotermia que, combinada aos efeitos do raio que a atingiu, fez com que seu corpo parasse de envelhecer.

O narrador chega a citar uma lei científica fictícia que explica a condição da protagonista, mas que só seria descoberta em 2035, em uma sacada engraçada dos roteiristas J. Mills Goodloe e Salvador Paskowitz. Apesar das coincidências novelescas criadas pela dupla, eles acertam na ambientação do momento em que o congelamento de sua idade começa a trazer problemas para Adaline justamente em pleno Macartismo, quando a patrulha anticomunista do senador Joseph McCarthy gerou uma caça às bruxas e, consequentemente, criou um clima de paranoia que se impregnou na própria personagem. Com medo de se tornar um objeto de curiosidade alheia e atrapalhar a vida da filha (Cate Richardson quando jovem), ela passa a adotar novas identidades a cada década.

Assim, o espectador a acompanha em sua mais nova fase, como Jenny, uma restauradora do arquivo público que, ao despertar a paixão do belo e charmoso Ellis (Michiel Huisman) em uma festa de réveillon em 2014, tenta evitar se apaixonar e sofrer novamente com um amor condenado. À primeira vista, pode-se colocar o longa no mesmo patamar de outros romances com toques de ficção científica, como "Te Amarei Para Sempre". Mas seria injusto não dar crédito à tentativa da produção de ser algo mais parecido com “O Curioso Caso de Benjamin Button”.

Assim como no filme de David Fincher, a arte e a fotografia de Adaline, assinadas por Claude Pare e David Lanzenberg, respectivamente, são capazes de, simultaneamente, mostrar exatidão na ambientação das épocas retratadas e criar um ar atemporal, bem conduzido por Lee Toland Krieger. Mais do que no romance, o diretor que ficou conhecido pela simples e complicada relação amorosa que apresentou ao público em “Celeste e Jesse para Sempre” (2012), acerta desta vez na homenagem que faz ao passado, à experiência e à sabedoria, sem apelar para um olhar retrô que seja apenas fetiche. A exceção é a narração literária que se mostra desnecessária muitas vezes, pois os detalhes vistos em close-ups ou subentendidos na trama são bem mais efetivos.

Além disso, o jovem cineasta consegue realizar um ótimo trabalho com o elenco, extraindo de Harrison Ford sua melhor performance nos últimos anos e fazendo o público esquecer os tempos de Gossip Girl, de Blake Lively, que domina todo o filme como protagonista. Como o pai de Ellis, o ator demonstra, ao mesmo tempo, a nostalgia da urgência do amor – e da dor – passado com o conforto e certeza do amor atual com sua mulher (Kathy Baker).

Já a jovem atriz, que mostrou bom desempenho nos policiais "Atração Perigosa" e "Selvagens", aproveitou a complexidade de sua jovem personagem centenária para provar que merece mais e melhores chances no cinema. As cenas de Adaline com a filha já octagenária, interpretada com vivacidade por Ellen Burstyn (se assistiu Interestelar no ano passado verá semelhanças nas personagens), mas demonstrando as preocupações de qualquer mãe, comprovam isso.

Se todas as cartas de amor são ridículas, como diria Fernando Pessoa, filmes românticos também o são. A questão é que só valorizamos os textos e os longas que, mesmo nos clichês, mostram sinceridade. E este é o caso de "A Incrível História de Adaline", que, provavelmente, terá bons resultados com a audiência e, talvez, quando passar na TV, será aquele filme que a sua mãe adorará ver.

(The Age of Adaline - 2015)

A Escolha Perfeita (2012)


Becca (Anna Kendrick), protagonista de "A Escolha Perfeita", confessa: "Não tenho muita paciência para ver filmes até o final. Eles me entendiam". Se ela seguiu esta regra na vida real, teve sorte e não viu o seu entediante longa inteiro. O tema é competição de grupos universitários que cantam à capela – aparentemente um hit nos EUA, já que existe até uma Competição Internacional de Canto à Capela (embora o "internacional" seja um exagero, já que, afinal, só participam faculdades americanas).

Becca acaba de se matricular na Barden, que possui dois grupos de cantores: os Estrondosos e as Belas. Os primeiros são os melhores dos Estados Unidos, fazendo shows e ganhando competições. Já o grupo de garotas é o pior – na última competição nacional, a líder do grupo vomitou no palco. Becca, supostamente, seria a salvação delas, porque tem talento vocal, embora cantar não seja o seu objetivo. Ela quer ser DJ.

Barden é uma daquelas faculdades de cinema que parecem existir apenas no universo encantado da Disney. O filme pouco diz sobre os jovens, que são estereótipos ambulantes e pouco humanos. Eles só querem cantar e desfilar o rótulo que o filme lhes dá. O destaque é Amy Gorda (Rebel Wilson), que é o tipo de personagem que sempre frequenta essas histórias: gordinha despojada e desbocada, que será engraçada nos 10 primeiros minutos e depois fica tão chata quanto os demais.

Cantos à capela parecem até interessantes, mas o filme, dirigido por Jason Moore – que tem no currículo a série Dawsons Creek - apenas se dá ao trabalho de destruir qualquer graça que possa existir. Transforma tudo numa pataquada que faz Glee parecer Shakespeare – ou quase.

(Pitch Perfect - 2012)

Uma Longa Jornada (2015)


"Uma Longa Jornada" baseia-se num romance de Nicholas Sparks - essa afirmação já deve resolver metade de um texto relativo a qualquer longa a partindo de romances desse escritor. Mudam-se o nome dos personagens, o cenário, um detalhe aqui e ali, mas independente do diretor, atores ou produtores, os filmes serão sempre os mesmos – basta lembrar os mais famosos, como "Um Amor Para Recordar", "Diário de uma Paixão" e "Querido John".

Seus livros, e consequentemente os filmes neles baseados, seguem o mesmo modelo de sempre: jovem casal (das dez adaptações cinematográficas, só duas são protagonizadas por casais mais maduros) se apaixona, mas são de classes sociais e/ou nível intelectual diferente, um empecilho e/ou um inimigo atrapalha o romance, eles sofrem por amor, seus entes queridos sofrem juntos, e, no fim, todos aprendem uma valiosa lição, que muitas vezes poderá custar a vida de um dos membros do casal.

"Uma Longa Jornada", por sua vez, é como se fosse dois longas compactados num só. O primeiro começa com Sophia (Britt Robertson), jovem estudiosa prestes a formar-se que é arrastada a uma prova de montaria por uma amiga que faz questão de deixar claro que não é rodeio, afinal, aqui “não tem apenas homens, mas os homens mais gatos”, segundo ela. Lá a protagonista conhece Luke (Scott Eastwood).

Encurtando a história, eles se apaixonam, mas são de mundos diferentes – ele precisa ficar alguns segundos em cima do touro mais bravo do mundo e ela tem um estágio previsto numa galeria de arte em Nova York. Depois de muito romance, olhares perdidos e marejados, eles estão na estrada quando encontram um carro acidentado. Lá dentro está Ira (Alan Alda), que quando resgatado pede para a garota pegar uma caixa que também está no carro. Ainda bem que ela consegue fazer isso antes de o veículo pegar fogo por completo.

No hospital, já separada de Luke, começa a ler as carta de Ira (nos flashbacks, interpretado por Jack Huston) e sua amada Ruth (Oona Chaplin). Quando Ira acorda, ela começa a ler as cartas para ele, e a história do casal a leva a pensar na dela com Luke.

Este, por sua vez, tem um grande adversário: Rango, um touro, com peso de coadjuvante, que, tempos atrás derrubou Luke, deixando-o em coma, e causando-lhe problemas no cérebro, mas, claro, ele não se deixa abalar. Sua mãe (Lolita Davidovich) insiste para que ele desista dessa prova, mas ele, é claro, é destemido, arrogante e teimoso – enfim, o combo completo para um herói romântico.

Se a arte, ao seu modo, reflete o momento histórico em que foi criada, os filmes baseados em Nicholas Sparks são o equivalente cinematográfico da ascensão do neoconservadorismo nos EUA – e não apenas lá, seu sucesso em muitos países tem a ver com a onda conservadora dos últimos anos. Vê-se aí um mundo pautado por esses valores, habitado por gente linda e loira, sem um fio de cabelo fora do lugar, cujo machismo, por exemplo, é recompensado com fama, a garota dos seus sonhos e uma bolada de dinheiro.

(The Longest Ride - 2015)

Poltergeist: O Fenômeno (2015)


"Poltergeist – O Fenômeno", clássico de suspense e terror dos anos 1980, está de volta, numa espécie de remake, dirigido por Gil Kenan. Não que seja um filme realmente ruim – apenas não diz a que veio, uma vez que o primeiro, em sua época, fazia bem mais sentido. Era 1982, quando Ronald Reagan começava seu mandato como presidente, e o neoliberalismo ganhava força. Nesse mesmo momento, a vida nos subúrbios cercados eletrodomésticos dava a (falsa) ideia de conforto. Steven Spielberg, no roteiro, e Todd Hooper, na direção, mostraram que nem a própria casa era um local seguro.

Os espíritos malignos, os poltergeists do título, eram a materialização dos maiores medos da classe média, tão pré-moldados e estandardizados como a infinidade de casinhas que compõem o seu bairro. Em 2015, o cenário é outro: não se existe mais essa ideia de segurança – o 11 de setembro, por exemplo, mostrou aos americanos que ninguém está seguro. O remake, cujo roteiro é assinado pelo dramaturgo David Lindsay-Abaire, parece perder um pouco do que teria a dizer. Ainda assim, há algo que funciona no filme.
Ao olhar o elenco, algum desavisado pode pensar estar diante de uma produção à la Sundance, afinal os protagonistas são interpretados por atores mais conhecidos do cinema independente. Sam Rockwell é o pai, Eric Bowen, que acaba de ser demitido. A mãe (Rosemarie DeWitt) já não é dona-de-casa, mas uma escritora-e-dona-de-casa. São mudanças sutis e inúteis que em nada acrescentam.

Por conta da crise, são obrigados a se mudar para o subúrbio para desespero da filha adolescente, Kendra (Saxon Sharbino), alegria da caçula, Madison (Kennedi Clements), e a costumeira indiferença do filho do meio, Griffin (Kyle Catlett). As frustrações deles serão, enfim, compensadas por uma infinidade de bugigangas eletroeletrônicas. Mas o filme não perde muito tempo em dizer quem é quem, e logo crianças estão sendo arrastadas pelas pernas ou engolidas pelo armário.

Depois que a possessão da casa começa, "Poltergeist" segue mais ou menos o original. Madison desaparece, e seus pais conseguem fazer um breve contato com ela pelo aparelho de televisão, com estática. Mais tarde, vemos a mãe e o irmão no gabinete de uma acadêmica especializada em paranormalidade – vale ressaltar que Mamãe Bowen parece tranquila demais para alguém cuja filha está desaparecida. Aliás, um dos pais é racional a ponto de dizer: “Não vamos chamar a polícia! Isso irá atrair a mídia”. Como se vê, uma família centrada.

Família centrada, aliás, é quase uma constante em filmes cujo nome de Spielberg está envolvido. Ele pode até criticar outros valores, mas o familiar deve sobreviver intacto, ao final. Dra. Brooke Powell (Jane Adams, outro ícone do cinema independente) é o alívio cômico e a mediação entre o problema e o sujeito que pode realmente solucioná-lo: Carrigan Burke (Jared Harris), paranormal responsável por um reality show cujo bordão é “Essa casa está limpa!”. Esse, no entanto, é apenas um tema contemporâneo ao qual o filme acena, mas nem chega perto. O que o diretor quer mesmo é dar sustos.

Nesse sentido, o uso do 3D é bem competente, aprofundando a sensação de claustrofobia.
O que Kenan e Lindsay-Abaire parecem não notar, na verdade, e isso teria muito a acrescentar, é que nessas mais de três décadas, nossa relação com eletrodomésticos e, especialmente, eletroeletrônicos, mudou muito. Esses aparelhos se tornaram íntimos, a ponto de os levarmos para todos os lugares, inclusive para a cama. E quando alguém diz algo como “Veja, Madison está na TV” não significaria algo necessariamente aterrorizante – ela pode, apenas, ser participante de um algum Big Brother.

(Poltergeist - 2015)

domingo, 12 de julho de 2015

Cidades de Papel (2015)


Devido a toda publicidade ao redor de "Cidades de Papel" não me contive e fui ao cinema. R$ 21,00 gastos em vão, fora as quase duas horas que perdi e que poderiam ter sido melhor aproveitadas no meu fim de semana.

Quentin Jacobsen é o garoto centrado apaixonado pela amiga de infância Margo. Ela, diferentemente dele, gosta de aventuras, vive fugindo e não sabe o que fará de sua vida. Certa vez Margo foge e deixa algumas pistas para Quentin, ele começa a desvendá-las imaginando que encontrará Margo e para isto tem a ajuda de mais quatro amigos.

"Cidades de Papel" não é um bom filme, não tem uma boa história e não tem bons atores. Talvez a sua trilha sonora salve...

(Paper Towns - 2015)

segunda-feira, 6 de julho de 2015

O Juiz (2014)


Depois de renascer nas franquias em "Homem de Ferro" e "Sherlock Holmes", o ator Robert Downey Jr. parece ter sido forjado para realizar um papel: o de homem rico, espertalhão e um tanto excêntrico. Em "O Juiz", drama familiar sobre perdas e aceitação, o molde não é muito diferente.

Aqui, ele faz o papel de Hank Palmer, um afiado advogado que enriqueceu defendendo milionários acusados (e claramente culpados) de sonegação fiscal. Um verdadeiro escroque, que faz de promotores públicos motivo de chacota, enquanto se vangloria de sua perspicácia, bens e da esposa modelo.

No entanto, quando sua mãe morre, ele precisa voltar à sua cidade natal, no interior de Indiana, para o velório e confrontar a família que, aparentemente, abandonou. Nas relações com os irmãos, mas principalmente com o pai (Robert Duvall), um rígido juiz local, há uma clara atitude passivo-agressiva, que alerta o espectador sobre fatos traumáticos no passado desses personagens.

No decorrer da viagem, enquanto Hank já se prepara para ir embora, o juiz é acusado de homicídio, por ter atropelado, sem prestar socorro, um homem na estrada – que acaba morrendo. O processo se torna certo quando se descobre a identidade do morto, que fora condenado, anos atrás, pelo próprio juiz, em um conturbado caso, e que acabara de sair do presídio.

A escolha de Hank de representar o pai não apenas o envolverá no processo criminal, mas será um catalisador dos dramas familiares não resolvidos. Na resolução desses conflitos, ainda haverá tempo de rediscutir os próprios rumos de sua vida a partir do reencontro com uma antiga namorada de juventude Samantha (Vera Farmiga).

Dirigido por David Dobkin a produção foi feita para chorar. Dobkin usa, aqui, todos os artifícios que pode para fazer o espectador se comover, seja nas poucas sutilezas da trama (doença terminal, culpas cortantes, arrependimentos, lições de vida etc), seja na técnica, pela tocante trilha sonora e acertado jogo de câmera.

Mas os melhores recursos do diretor são mesmos os seus atores, em especial o veterano Robert Duvall, dando sustentação às relações que se veem na tela. Este elenco faz de "O Juiz" senão uma obra madura, pelo menos sensível e, possivelmente, dilacerante para aqueles que se identificarem com a mensagem final edificante.

Nomeado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Robert Duvall)

(The Judge - 2014)

domingo, 5 de julho de 2015

O Garoto da Casa ao Lado (2015)


Dirigido pelo experiente diretor e produtor Rob Cohen, este suspense com pitada erótica revela-se não só uma decepção, como um imenso desperdício – do tempo e do eventual talento de todos os envolvidos.

Supostamente, o roteiro da estreante Barbara Curry – que tem no currículo alguns anos de experiência como advogada e procuradora na área criminal – tem potencial para ser realista. Mas, a cada imagem, essa possibilidade se apaga, já que o desenrolar das situações é uma progressão de absurdos.

A bela Jennifer Lopez interpreta Claire Peterson, uma professora de literatura clássica, mãe de um filho adolescente, Kevin (Ian Nelson), cujo casamento está por um fio, devido às infidelidades do marido (John Corbett).

Os dois estão separados, mas o marido ronda, querendo reconciliação, com o apoio do filho. Nesse contexto, muda-se para a casa ao lado da de Claire um jovem bonito e fortão – outro clichê, num filme soterrado por eles -, Noah (Ryan Guzman). Um erro de casting, já que o ator, prestes a completar 28 anos, não tem como passar por adolescente, 10 anos mais novo...

A princípio, ele parece caído do céu. Gentil e prestativo, ele até se torna amigo de Kevin, que está sendo atormentado pelos valentões da escola. Logo, ele se insinua junto a Claire, que não é indiferente a seus encantos.

Sem querer entregar a história, o desenrolar dos fatos progride rumo à revelação de um perfil cada vez mais perturbado de Noah e da entrada de Claire numa espiral de medo e culpa. Aliás, este é um dos horrores do filme: seu mergulho numa vertente moralista, como tantos outros produzidos por Hollywood. Não era preciso mais um.

Mesmo sem entrar em detalhes, é bom avisar: a violência da sequência final beira o trash.

(The Boy Next Door - 2014)

Casa Grande (2014)


"Casa Grande" é um filme sobre relações de classe no Brasil contemporâneo. Dirigido por Fellipe Barbosa – a partir de um roteiro assinado por ele e a montadora Karen Sztajnberg –, o longa investiga a derrocada de uma família de classe média alta carioca a partir do ponto de vista de um de seus membros, o jovem Jean (o ótimo estreante Thales Cavalcanti), alienado da precária situação financeira de seu pai, Hugo (um surpreendente Marcello Novaes).

A primeira imagem mostra a casa do título em todo seu esplendor, ao som de música clássica. Hugo e sua mulher, Sonia (Suzana Pires), têm uma vida perfeita, com seu casal de filhos, uma empregada (Clarissa Pinheiro) e um motorista (Gentil Cordeiro), que é o primeiro a ser demitido quando a falta de dinheiro altera a dinâmica da família.
"Casa Grande" é um filme sobre descoberta e tomada de consciência. Acreditando na mentira dos pais de que Severino está de férias, Jean passa a tomar ônibus para ir à escola. Isso lhe permite sair da bolha de conforto e descobrir que o mundo externo é bem diferente. Ele conhece Luiza (Bruna Amaya, uma grata surpresa no filme), garota de classe e escola inferiores à sua, por quem acaba se interessando.

Em casa, no entanto, os pais tentam manter as aparências. Sonia começa a vender pequenas bugigangas para as amigas e dar aulas de francês. Seu marido finge que nada está acontecendo. Jean por sua vez, parece ter apreendido os mecanismos de dominação de classe sem qualquer esforço – assedia a empregada sem qualquer pudor.

Uma espécie de “primo carioca” de "O Som ao Redor", "Casa Grande" tem qualidades para caminhar sozinho, é claro. A começar pela direção segura e roteiro perspicaz. Barbosa é muito consciente de suas escolhas técnicas e narrativas e constrói a trama pela ocupação dos espaços por parte de seus personagens. Se, de um lado, existe a “casa grande” do título, obviamente existe a “senzala”. Essa, no entanto, não está apenas ao lado da moradia dos patrões – como é o caso das dependências de empregados –, mas se espalhou pela cidade toda, que parece estar à disposição da elite.

Premiado no Festival de Paulínia – Grande Prêmio do Júri, ator e atriz coadjuvantes (Novaes e Clarissa) e roteiro – além do Prêmio de Associação Brasileira de Críticos Cinema, na Mostra de São Paulo de 2014, "Casa Grande" traça um retrato agridoce de um Brasil pautado pela tensão social. Barbosa é sutil em boa parte do tempo, mas, em alguns momentos, um excesso de didatismo soa fora de hora – como a fala de Luiza sobre cotas raciais, por mais pertinente que seja, soa pouco orgânica da maneira como acontece. Esse pequeno deslize, no entanto, não diminui nem a importância e outras qualidades do filme.

(Casa Grande - 2014)

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Amantes Eternos (2013)


Numa descrição rasa, "Amantes Eternos" seria uma espécie de "Crepúsculo" para adultos interessados por arte. Obviamente, essa definição não contempla a densidade e humor do filme de Jim Jarmusch. Protagonizado por Tilda Swinton e Tom Hiddleston, o longa cheio de estilo é uma celebração aos valores da beleza estética que tenta pairar sobre a ruína do caos financeiro de nosso tempo.

Tilda é Eve, vampira milenar moradora de Tânger, que à noite vaga pelos becos da cidade marroquina a caminho de um bar onde encontrará o dramaturgo Christopher Marlowe (John Hurt), supostamente morto em 1593, mas que, vampiro como ela, atravessou os séculos e hoje se arrepende por não receber os créditos pela colaboração com Shakespeare. Ele também é uma espécie de mestre dela, e todo dia lhe fornece sangue humano – uma vez que ela se recusa a caçar suas presas, pois está mais interessada em literatura.

Adam (Hiddleston) vive numa Detroit destruída, apenas uma sombra do centro industrial que foi no passado. São fábricas e galpões abandonados que servem de cenário para os passeios noturnos do vampiro. Ele foi um músico famoso, e ainda é objeto de culto por adolescentes que se plantam na porta de sua casa, sem nunca serem recebidos. O jovem Ian (Anton Yelchin) é um de seus contatos com o mundo externo, fornecendo-lhe instrumentos musicais raros. O outro é o Dr. Watson (Jeffrey Wright), funcionário de um banco de sangue que lhe vende seu alimento de tempos em tempos.

Eve e Adam têm uma relação apaixonada que a distância não enfraqueceu: o tempo só a fortalece. São dois aristocratas que já viram de tudo e agora se devotam à arte. Na mala dela, veem-se obras de Samuel Beckett, Miguel de Cervantes e David Foster Wallace. Na parede da velha casa dele, fotografias de Franz Kafka, Jane Austen, Patti Smith, Bruce Lee, Buster Keaton e Tom Waits, entre outros. O casal tem (literalmente) todo o tempo do mundo para apreciar todas as formas de arte sem pressa. Enquanto os demais mortais – a quem a dupla chama de “zumbis” – vagam perdidos em suas existências vazias, centrados no trabalho e outras coisas mundanas, perdendo a capacidade de admirar a beleza estética.

Adam fica tão incomodado com isso a ponto de tentar o suicídio, o que faz Eve voltar para os Estados Unidos para o reencontrar e tentar salvar sua “vida”. Juntos, vagam pelas ruínas de uma cidade agonizante. Num antigo teatro, por exemplo, ele lhe mostra toda a beleza arquitetônica e os dois imaginam o que foi visto ali nos dias de glória do lugar – agora, um decrépito estacionamento. Não por acaso, Adam está deprimido.

O maior problema do casal, no entanto, é a falta de sangue. O momento da alimentação é uma espécie de êxtase que os faz virar a cabeça para trás e se entregar a devaneios. Eles têm uma espécie de pacto de não matar humanos, nem transformá-los em vampiros. Porém, a irmã de Eve, Ava (Mia Wasikowska) não é tão centrada quanto eles, e a sua chegada desestabiliza a paz vampiresca do casal.

Podem a arte e a beleza sobreviver em tempos de crise econômica?, pergunta o filme. Como a arte pode existir numa época em que tudo se transformou em mera mercadoria? Ainda há espaço para a beleza estética? Em meio a um mundo devastado pelo dinheiro (ou a ausência deste), o casal de vampiros se esforça para manter viva (quanta ironia!) a tradição cultural do Ocidente. Os artistas sucumbem (vide a trajetória de Marlowe), e o que vai restar aos admiradores?

Jarmusch, que também assina o roteiro, não está interessado em respostas. Mas, aparentemente, a saída está na vampirização das obras – metaforicamente falando, é claro. Pois, como já se disse tantas vezes: longa é a arte, tão breve a vida.

(Only Lovers Left Alive - 2013)

Grandes Olhos (2014)


Platinada, frágil e sufocada por um homem opressor, Amy Adams poderia muito bem ser uma musa hitchcockiana em "Grandes Olhos". Mas, afinal, ela é uma ilustre desconhecida pintora no filme dirigido por Tim Burton sobre o casal Margaret e Walter Keane (Amy e Christoph Waltz) e seus famosos quadros de crianças de olhos desproporcionalmente gigantescos, que se tornaram sucesso nos anos de 1960.

Separada do marido e com uma filha pequena, Margaret, nascida Peggy Doris Hawkins, ruma para São Francisco, onde espera viver de sua pintura. Tudo o que consegue é um emprego pintando decorações em berços. Na mesma feira, onde, aos domingos, tenta vender seus quadros de crianças estranhas, conhece Walter. Ele também um pintor amador, cuja obra se resume a paisagens urbanas parisienses.

Depois de se casarem, Walter arrenda o corredor de acesso aos banheiros em um nightclub e tenta vender quadros dos dois. Mas quando as pinturas de Margaret começam a chamar mais a atenção – e render mais dinheiro – do que as dele, Walter finge ser o autor das obras. Se num primeiro momento, para Margaret ele parecia ser um cara legal, doce e amável, agora revela-se um lado inteiramente diferente. Walter – que também já foi corretor imobiliário – tem tino para venda, especialmente para a autopromoção.

Há uma cena, ao mesmo tempo assustadora e reveladora, que começa com Margaret no supermercado pegando uma lata de sopa de rótulo vermelho de uma prateleira meticulosamente arranjada – uma recriação da famosa obra de Warhol. É o sinal de um tempo e Walter, mais do que ninguém, está sintonizado com ele – além dos quadros, que ainda vendem muito, ele pode lucrar com pôsteres, bem mais baratos e acessíveis a quem não tem dinheiro para um original.

Esses cartazes são, no fundo, a cópia da cópia, uma vez que originalidade nunca foi o traço definidor da arte de Margaret. E em "Grandes Olhos", Burton – trabalhando com um roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski – quer dizer algo exatamente sobre estilo e esvaziamento a partir da reprodução. Ele que é um diretor conhecido por seu estilo peculiar, tantas vezes copiado (sem muito sucesso), e, talvez, já exaurido e em busca de novos caminhos. A abertura do filme, com reproduções idênticas saindo de uma máquina, todas iguais, todas replicando uma mesma pintura feia de Margaret, faz lembrar o título de um famoso ensaio de Walter Benjamin: A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.

O sucesso de Walter começa a desmoronar quando ele recebe a encomenda de um painel gigantesco para a Feira Mundial de 1964, chamado “Tomorrow Forever”. Um crítico do The New York Times, John Canaday (Terence Stamp), coloca tudo em seu devido lugar num artigo demolidor – chamando o painel de a “própria definição de falta de gosto”. A partir de então, o ego gigantesco e machucado de Walter começa a colocar tudo a perder em seu esquema.

Burton nem sempre parece estar muito confortável com o material. Em apenas uma cena – a do supermercado com as latas de sopa – ele deixa sua marca peculiar emergir. É quando os quadros de Margaret parecem ganhar vida, e com seus olhos gigantescos e melancólicos a censuram por deixá-los serem usados pela ambição de Walter.

Em Ed Wood, um de seus melhores trabalhos, Burton fez uma cinebiografia daquele que foi considerado “o pior cineasta de todos os tempos”. Aquele filme pode não ter melhorado a obra do biografado, mas colocou seu trabalho em perspectiva, dando-lhe um novo status. Aqui, Margaret não teve a mesma sorte.

(Big Eyes - 2014)