quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Trolls (2016)


“As criaturas mais felizes do mundo” é assim que são conhecidos os Trolls, que dão nome à vibrante animação da Dreamworks. Vagamente inspirados em bonecos criados na Dinamarca, que se popularizaram no Brasil entre as décadas de 1970 e 1990, sua comunidade lembra a harmoniosa Vila dos Smurfs, não fosse o fato de terem caído em um pote de arco-íris e terem balada todo o dia. Com a sua profusão de cores, um setlist de músicas pop de várias épocas que cantam direto e até uma hora do abraço para esses bichos peludinhos e cabeludos, a felicidade dos Trolls é feita na medida para conquistar o público-alvo.

Os Berguens, porém, já estão conquistados há muito tempo: eles se alimentam de Trolls, pois acham que só eles podem lhe trazer esta felicidade. Por isso, quando o esconderijo dos pequeninos felizes é descoberto pela chef dos ogros infelizes, a futura rainha Poppy precisa resgatar seus amigos, tendo como única ajuda o rabugento Tronco. Só que, para isso, deverão enfrentar a vontade do príncipe dos Berguens, por quem a gata borralheira Bridget (Zooey Deschanel) é apaixonada, de provar pela primeira vez este sentimento com um troll.

É uma história simples para as crianças, que não deve encantar tanto aos pais. No entanto, eles podem ficar satisfeitos com a moral de que a felicidade está dentro de si sendo passada para os seus filhos.



Nomeado ao Oscar de Melhor Canção (Can't Stop the Feeling).

(Trolls - 2016)

Manchester À Beira-Mar (2016)


Dentro de uma indústria tão altamente padronizada quanto Hollywood, todo ano há pelo menos um filme que sai da fórmula. Ou seja, que destoa das expectativas e das estruturas normalmente seguidas no gênero a que pertence. Este ano, este filme é o drama Manchester à beira-mar.

Ambientado numa cidade litorânea de Massachussets, perto de Boston, o drama se desenrola em torno de crises de identidade masculina, ancoradas no universo da família Chandler. Neste círculo, foi sempre muito forte a ligação entre os irmãos Joe (Kyle Chandler) e Lee (Casey Affleck), uma irmandade que incorpora também o filho de Joe, Patrick (quando menino, Ben O’Brien), especialmente porque a mãe do garoto, Elise (Gretchen Mol), é uma alcoólatra.

Há um corte no tempo e encontra-se Lee um pouco mais velho, trabalhando como zelador e faz-tudo para um conjunto de prédios em outra cidade. Ele é um solitário, que vive consertando os pequenos problemas dos condôminos, aparentemente sem ligações de amizade com ninguém. Parece um homem anestesiado contra sentimentos de qualquer espécie, num isolamento de que a grossa neve da paisagem parece funcionar como metáfora.

Um telefonema, avisando-o da morte do irmão, tira-o desta apatia funcional. E Lee parte de volta para Manchester, de encontro a fantasmas formidáveis, de que o filme só dará conta dentro de algum tempo.

A maneira como se oculta, temporariamente, a razão dos traumas de Lee, que motivaram sua partida da cidade, é um dos recursos usados pelo diretor para administrar as emoções de sua história, que ele pretende sutilmente revelados, sem transbordamento – até para manter um equilíbrio, já que estas emoções são de intensidade considerável.

A opção de Lonergan é manter as dores de Lee represadas, como ele escolheu. Por isso, a princípio, o espectador permanece intrigado pelo comportamento quase catatônico deste homem ainda jovem, até diante da morte do irmão – que, claramente, foi seu maior amigo e protetor, como revelam os flashbacks dos dois a bordo de um barco.

O testamento do irmão coloca um desafio para Lee, já que este o designou como guardião de seu filho, Patrick (agora interpretado por Lucas Hedges), ainda menor, uma função que o obrigaria a voltar para Manchester. Ou levar o garoto embora com ele para outro lugar, ao que o rapaz resiste asperamente, criando um conflito aparentemente insolúvel.

Na outra ponta deste mundo masculino, duas figuras femininas se destacam: Elise, a mãe de Patrick, que deixou a bebida para tornar-se uma protestante devota, a partir de um novo casamento, com Jeffrey (Matthew Broderick); e Randi (Michelle Williams), a ex-mulher de Lee, com quem ele divide a imensa, irresolvível dor que atormenta seus dias.

Em poucas cenas, Michelle Williams ocupa uma porção significativa deste centro emocional do filme, já que é simplesmente a única pessoa com quem Lee compartilha uma parte de seu imenso fardo de culpa – e há pelo menos um diálogo entre os dois, depois de um encontro casual na rua, que é de uma emocionalidade devastadora, sem deixar de ser delicada.

Nada, aliás, em Manchester à beira-mar é derramado ou excessivo – basta a realidade da tragédia na vida de Lee e Randi. É aí que Lonergan exerce sua afinação de dramaturgo que também é, desfiando com sutileza o impasse de seu protagonista, sem visar sua redenção. Foi por isso, portanto, que o filme chamou tanta atenção, por lidar com o drama esgueirando-se dos excessos melodramáticos. Não é pequena façanha, quando se conhecem os exageros da média da produção dramática mainstream de Hollywood, viciada em extrair lágrimas aos baldes em situações escancaradas, reiterações e trilha sonora sempre no máximo volume.

Nada disso acontece neste filme, o que não quer dizer que ele seja perfeito ou mesmo que represente a rigor uma inovação. Na verdade, Manchester à beira-mar é um filme correto, bem-realizado e sutil. Apenas aconteceu que Lonergan nadou contra a corrente e se deu bem. Nem escândalos extrafilme, como as acusações de assédio de duas mulheres contra Casey Affleck – resolvidas em acordos extrajudiciais confidenciais – conseguiram empanar o brilho do desempenho do filme até aqui.

Nomeado a 6 Oscar: Melhor Filme, Ator (Casey Affleck), Atriz Coadjuvante (Michelle Williams), Ator Coadjuvante (Lucas Hedges), Direção (Kenneth Lonergan) e Roteiro Original. Levou as estatuetas de Melhor Ator (Casey Affleck) e Roteiro Original.

(Manchester by the Sea - 2016)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Um Limite Entre Nós (2016)


Anos 1950. Troy Maxson (Denzel Washington) tem 53 anos e mora com a esposa, Rose (Viola Davis), e o filho mais novo, Cory (Jovan Adepo). Ele trabalha recolhendo lixo das ruas e batalha na empresa para que consiga migrar para o posto de motorista do caminhão de lixo. Troy sente um profundo rancor por não ter conseguido se tornar jogador profissional de baseball, devido à cor de sua pele, e por causa disto não quer que o filho siga como esportista. Isto faz com que o jovem bata de frente com o pai, já que um recrutador está prestes a ser enviado para observá-lo em jogos de futebol americano.

Nomeado a 4 Oscar: Melhor Filme, Melhor Ator (Denzel Washington), Atriz Coadjuvante (Viola Davis) e Roteiro Adaptado. Venceu o Oscar de Atriz Coadjuvante (Viola Davis).

(Fences - 2016)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016)


¨Moonlight: Sob a luz do luar¨, segundo filme do diretor Barry Jenkins, revela um primor de sutilezas na exploração do processo de amadurecimento de um garoto afro-americano de Miami a partir de uma adaptação bastante fiel à peça do dramaturgo Tarell Alvin McCraney.

Alguns elementos que se tornaram clichês em dramas, como o universo da pobreza, o convívio com o tráfico de drogas e o bullying, são aqui tratados por um prisma que foge à espetacularização. Assim, desdobra-se com a naturalidade e delicadeza possíveis a trajetória do garoto Chiron, aos 9 anos chamado de Little (Alex R. Hibbert) devido ao seu físico excepcionalmente franzino. A história começa com Little fugindo de um bando de colegas de escola e buscando esconderijo numa casa abandonada, usada por viciados.

Dali é resgatado por Juan (Mahershala Ali), o traficante dono do pedaço que, contrariando a expectativa, é suave e benigno com o menino. A casa de Juan e da namorada Teresa (Janelle Monae), aliás, torna-se o refúgio do menino contra os acessos de descontrole de sua mãe drogada, Paula (Naomie Harris).

Se Juan é essa figura paterna substituta, não deixa de ser também o fornecedor de drogas da mãe de Little, uma ambiguidade que não escapa ao menino em seu processo de compreensão dos mecanismos de funcionamento do mundo. Esse é um dos muitos aspectos que afastam o enredo de Moonlight... da mesmice superficial de tantas histórias ambientadas neste cenário, aproximando-o de um realismo repleto de nuances humanistas.

A trajetória do Chiron adolescente (Ashton Sanders) continua dramática, alternando os conflitos com a mãe e o bullying na escola, que só cresce na medida em que o rapaz revela tendência homossexual – um aspecto que ele só compartilha com o amigo Kevin (Jharrel Jerome).

Alguns dos momentos mais reveladores de descoberta do protagonista dão-se perto do mar, como numa cena em que aprende a nadar com Juan – em que a mensagem de confiança é decididamente clara – e outra em que experimenta o próprio desejo num beijo na praia.

Embora o caminho de Chiron esbarre na violência do ambiente em que vive, as vivências e soluções que ele acha são naturais dentro de sua perspectiva. De maneira geral, o enredo não responde a clichês no piloto automático, o que permite que o reencontro do Chiron jovem adulto (Trevante Rhodes) com o amigo Kevin (agora, André Holland) seja cheio de emoções genuinamente tocantes, sem qualquer pieguice.

Nomeado a 8 Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Direção (Barry Jenkins), Roteiro Adaptado, Fotografia, Edição e Trilha Sonora. Levou as estatuetas de Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Mahershala Ali) e Roteiro Adaptado.

(Moonlight - 2016)

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A Chegada (2016)


Quando os alienígenas chegarem, como vai ser? Pode haver pompa e circunstância, com fanfarra e fogos, mas também destruição e caos. Na ficção científica A Chegada, do canadense Denis Villeneuve, a entrada é discreta e seria quase imperceptível não fosse o fato de suas naves serem parecidas com gigantescas pedras flutuantes a alguns metros do solo de diversas cidades do mundo.

Mas a dúvida continua: o que eles querem ? Pode ser apenas fazer contato, pode ser a vida humana (ou de qualquer outra espécie) ou trazer a paz para a Terra. Para descobrir, é preciso fazer algum contato, e, mais do que isso, é preciso que haja comunicação entre ambas as partes.

Na situação aqui representada, porém, não existe nenhum ser saindo de dentro da nave, nem em missão de paz ou terror. Então, como quebrar o gelo e começar uma amizade? A saída é a linguista Louise Banks (Amy Adams), que já trabalhou para o exército, por isso é conhecida deles e dos procedimentos. “Você fez um trabalho rápido com os vídeos dos rebeldes”, diz coronel Weber (Forest Whitaker), quando se aproxima dela, referindo-se a traduções de farsi de Louise no passado. “E vocês fizeram um trabalho rápido com os rebeldes”, responde ela, com certa amargura, por seu papel naquele trágico episódio.

O filme começa com um pequeno resumo de fatos da vida de Louise – envolvendo um marido, uma filha, uma doença fatal na adolescência. Logo depois, está na sala de aula, onde os poucos alunos começam a receber chamadas do celular, e os canais de televisão não falam de outra coisa a não ser dos alienígenas que pousaram na Terra. Quando procurada pelo exército, a doutora Banks não aceita logo de cara por causa das condições que impõe. Mas, no fim, logo mais ela e um físico, Ian Donnelly (Jeremy Renner), entram em preparação, com trajes laranja para entrar no óvni.

Lá dentro, tudo o que os dois especialistas imaginam saber cai por terra – a física e a línguagem. De certa forma, A Chegada é um filme sobre uma linguista desenvolvendo um método de tradução para uma língua alienígena – e Villeneuve e seu roteirista, Eric Heisserer, trabalhando a partir de um conto do americano Ted Chiang (A história de sua vida), fazem disso um espetáculo com inteligência e criatividade. Os alienígenas são diferentes de praticamente tudo que já se viu. Dentro da nave, ficam atrás de um vidro transparente, cercados por uma espécie de bruma, mas é a sua linguagem que impressiona.

A saída visual para isso é ótima – são círculos complexos e ao mesmo tempo delicados que comprimem em si mais do que palavras. A questão central da primeira parte do filme é decifrar esse código linguístico. Quando, afinal, isso acontece, a questão é ouvir e entender o que a dupla de aliens – apelidados de Abbott e Costello – tem a dizer, a oferecer. Aí, entra a nossa pouca compreensão do mundo e do estrangeiro.

Em meio a seu processo de decifração, Louise começa a ter visões envolvendo aquela menina vista no começo do filme. São rápidas lembranças que a desestabilizam e, com o tempo, trazem a profunda ressonância emocional de A Chegada. A questão, como fica claro, não é compreender os ETs, mas entendermos uns aos outros. O grande acerto do filme é fazer uma ficção científica com todas as peculiaridades e questionamentos do gênero, conferindo o sentimento sem cair em sentimentalismos baratos.

Esse universo é construído com perfeição técnica graças à fotografia de Bradford Young (O Ano Mais Violento, Selma), que transita entra o intimismo de um close e o sentido épico de um plano mais aberto dando a dimensão do tamanho das naves diante do humano; e a trilha sonora do islandês Jóhann Jóhannsson – constante colaborador de Villeneuve – que, mais do que músicas, cria aqui uma sucessão de ruídos que poderiam tanto ser gritos quanto sussurros dos alienígenas ou de alguma entranha forma humana.

Nada disso funcionaria se não fosse a profunda percepção de Amy Adams de sua personagem. Ela tem que construir uma Louise vivendo no presente, mas afligindo-se pelo futuro. É possível fugir do destino? Existe um determinismo do qual podemos escapar? E, então, a linguagem seria a ferramenta e a saída, segundo o longa. Mas a grande utopia em A Chegada é o que fazemos com a informação que nos é dada. E, a partir disso, Villeneuve compõe um belo filme.

Nomeado a 8 Oscar: Melhor Filme, Direção (Denis Villeneuve), Roteiro Adaptado, Fotografia, Edição, Direção de Arte, Mixagem de Som e Edição de Som. Venceu a estatueta de Edição de Som.

(Arrival - 2016)

La La Land: Cantando Estações (2016)


Desde sua estreia mundial, no Festival de Veneza 2016, La La Land – Cantando Estações, de Damien Chazelle, vem despertando paixões, conquistando prêmios e garantindo a ressurreição – ainda que momentânea – do gênero musical, no maior fenômeno recente nesta linha desde Chicago (2002).

Se La La Land... vai repetir ou não, como se espera, a façanha de Chicago no Oscar (levou 6 em 2003), ainda não se sabe - ainda que seja de esperar, dado seu recorde de 14 indicações. É fato que vem acumulando musculatura para isso, saindo do Festival de Veneza com o prêmio de melhor atriz para Emma Stone, vencendo o principal prêmio em Toronto, o de melhor longa do festival para o público, depois arrebatando notáveis 7 Globos de Ouro neste início de 2017: melhor filme (comédia/musical), ator (Ryan Gosling), atriz (Emma), direção, roteiro, canção original e trilha sonora.

Nada mau para um diretor como Chazelle, completando 32 anos neste dia 19 de janeiro e finalizando aqui seu terceiro longa e o terceiro também a relacionar-se com música. Seu filme anterior, Whiplash – em busca da perfeição (2014), retratou um jovem baterista (Miles Teler) atormentado pelas exigências de um professor sádico (J.K. Simmons, vencedor do Oscar de melhor coadjuvante).

Recorrendo, mais uma vez, à parceria com seu colega de faculdade Justin Hurwitz – autor dos números musicais do novo longa -, Chazelle arrebata o público desde a primeira sequência, mostrando diversos jovens saindo de carros presos num congestionamento para cantar e dançar por cima deles, num viaduto de Los Angeles. Neste cenário inusitado, cria-se o clima para contar a história de dois sonhadores que estão parados ali – Sebastian (Gosling), um pianista de jazz que planeja abrir seu próprio clube noturno, e Mia (Emma), garçonete e aspirante a atriz.

O primeiro encontro dos dois não é nada promissor – ele buzina, ela se enfurece. Nada demais numa narrativa marcada de um romantismo encharcado de realidade, retratando dois protagonistas bem comuns em Los Angeles, cenário de eterna construção e destruição de inúmeros projetos de gente vinda de todos os lugares.

Como se pode imaginar, os dois vão se reencontrar. Na segunda vez, num restaurante, onde Seb toca músicas cafonas para clientes completamente distraídos e, novamente, não dá atenção a Mia, que entrou para ouvir. Só na terceira vez, quando um novo acaso os reúne numa festa numa mansão, onde ele foi tocar com um grupo pop e ela acompanhou amigas em busca de contatos, é que finalmente têm uma chance de conversar. E se aproximar, dançando juntos pela primeira vez numa sequência de rua bela e divertida.

O que torna La La Land... atraente a plateias contemporâneas é justamente este pé no realismo que se mantém mesmo quando seus protagonistas embarcam na música, em situações que tocam a fantasia. E o fato de que os dois são competentes no canto e dança, embora nunca prodígios como Gene Kelly, Fred Astaire ou Cyd Charisse – que o filme também homenageia em algumas sequências – é prova do seu engajamento na direção certa, que não dispensa o humor.

As homenagens disparam em várias direções. Já amigos, Seb e Mia vão assistir Juventude Transviada, de Nicholas Ray, num velho cinema. E, passo seguinte, visitam o mítico Observatório Griffith, que aparece naquele filme, protagonizando uma dança mágica, que inclui vôos num céu estrelado no planetário.

Nas filmagens, Chazelle praticou verdadeiros milagres para conseguir fazer algumas cenas nos locais onde pretendia. Foi o caso de uma sequência no funicular Angel Flight, que estava fechado há três anos, e que o diretor conseguiu fazer reabrir um único dia, para que filmasse um momento de entusiasmo romântico de Seb e Mia.
Se uma crise do casal está prevista, dentro de uma história que não despreza a necessidade de conciliação dos sonhos com a sobrevivência material, uma síntese da grandeza de que o cinema é capaz está reservada para a belíssima sequência final – cujos detalhes é melhor o espectador descobrir só durante a projeção. Aí, Chazelle mostra ter-se preparado muito e anuncia sua disposição de pertencer a uma grande linhagem de diretores e associar-se ao que de melhor o cinema já colocou na tela.

Nomeado a 14 Oscar: Melhor Filme, Ator (Ryan Gosling), Atriz (Emma Stone), Direção (Damien Chazelle), Roteiro, Fotografia, Edição, Direção de Arte, Figurino, Trilha Sonora, Músicas (Audition - The Fools Who Dream e City of Stars), Edição de Som e Mixagem de Som. Venceu 6 estatuetas: Melhor Atriz (Emma Stone), Direção (Damien Chazelle), Fotografia, Trilha Sonora, Canção e Direção de Arte.

(La La Land - 2016)

domingo, 8 de janeiro de 2017

A Qualquer Custo (2016)


Talvez o aclamado A Qualquer Custo tenha mais a ver com Cosmópolis, de David Cronenberg, do que com toda a linha de westerns com a qual o filme indicado ao Oscar parece se alinhar. Em outras palavras: a trama do longa teria outro sentido não fosse a crise que começou em 2008, o Ocuppy e tudo mais que veio junto – na verdade, o filme nem existiria não fosse tudo isso.

Com o rancho da família a ponto de ser tomado por conta de dívidas, os irmãos Tanner (Ben Foster) e Toby Howard (Chris Pine) começam a roubar bancos em pequenas cidades no oeste do Texas. Apesar do fato de Tanner ser um ex-presidiário, a dupla não tem qualquer talento para a empreitada. E a cada nova investida – apesar de conseguir-se dinheiro –, a situação se complica ainda mais. Isso fica claro logo na primeira cena, num roubo bem-sucedido (ao seu modo, é claro), no qual Toby não parece estar se divertindo tanto quanto o irmão. O modus operandi é mais ou menos o mesmo: assaltar o banco usando máscara antes mesmo de sua abertura, quando chega o primeiro funcionário, e depois livrar-se do carro (eles já conseguiram vários para descartá-los).

O subtexto aqui é brechtiano, no sentido sarcástico de que: “O que é roubar um banco em comparação com fundar um banco?”. Os próprios bancos que a dupla rouba pertencem à Texas Midlands, a mesma instituição prestes a tomar o rancho da família. Existe uma fina ironia nisso tudo que o roteiro, indicado ao Oscar, de Taylor Sheridan (“Sicário”) não deixa passar batido. A trama toda é construída em cima disso, e a busca pela manutenção da propriedade se torna ainda mais importante uma vez que foi descoberto petróleo em suas terras.

Os irmãos, no entanto, são ingênuos o suficiente para criar um padrão, o que desperta a atenção da polícia, especialmente do Texas Ranger Marcus (Jeff Bridges, indicado ao Oscar de coadjuvante, e merecedor do prêmio, embora não seja o favorito). Veterano prestes a se aposentar, ele parece já ter visto de tudo nessa vida, especialmente em se tratando de crimes e, com a ajuda de seu parceiro, Alberto Parker (Gil Birmingham), começa a investigar.

Há uma contraposição sagaz entre as duas duplas. A família Howard parece vítima de uma maldição, ou do destino mesmo, sempre perdendo dinheiro, sempre na pobreza. Toby vê nos roubos a única chance de superar essa limitação, de dar uma vida digna à ex-mulher e aos filhos. Tanner, por sua vez, é um sujeito amoral, está nessa apenas pela diversão.

Marcus e Parker também tem uma relação de cumplicidade. A troca de insultos raciais (o segundo é descendente de nativos e mexicanos) é sua maneira de expressar sua afinidade – uma maneira estranha é claro, mas, enfim... Há nesse sentido, e no desenrolar do destino do personagem, uma questão de dívida histórica que permeia todo o filme.

Algumas cenas são impressionantes – uma delas, de um tiroteio, outra, de perseguição –, ajudando a dimensionar a grandiosidade desse filme, que merece ser visto não apenas por suas quatro indicações ao Oscar (além das já mencionadas, também concorre por montagem, assinada por Jake Roberts, e como melhor filme).

O diretor escocês David Mackenzie (O Jovem Adam) filma o Texas como se tivesse nascido e sido criado no Texas. Sua compreensão das planícies e das pequenas cidades assoladas pela crise, com lojas fechadas e ranchos abandonados – tudo isso muito bem caracterizado na fotografia de Giles Nuttgens – vai além dos clichês, transformando o cenário numa espécie de personagem que ora oprime, ora é o sentido da liberdade dos irmãos, mas também é um lembrete constante da ganância dos bancos e grandes corporações.

Nomeado a 4 Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Jeff Bridges), Roteiro e Edição.

(Hell or High Water - 2016)

Animais Noturnos (2016)


Em sua estreia no cinema, em 2009, o renomado designer de moda norte-americano Tom Ford chamou a atenção com seu exercício dramático sobre a perda em Direito de Amar, belamente protagonizado por Colin Firth como o viúvo que perde o companheiro de muitos anos. Em seu segundo filme, o cineasta volta ao mesmo tema de modo diferente. O thriller psicológico Animais Noturnos opta pela tragédia humana deste animal que se esconde nas “trevas na noite” de cada ser humano, omitindo-se dos problemas que o dia-a-dia lhe apresenta ou despertando violentamente a qualquer momento.

A origem do filme está no romance de Austin Wright, Tony & Susan, publicado em 1993 e adaptado no roteiro do próprio Ford, que transforma a protagonista de professora de inglês em uma galerista bem-sucedida em seu trabalho com arte contemporânea em Los Angeles. Só que Susan (Amy Adams) não se sente mais realizada profissionalmente e vive um casamento estagnado na rotina com Hutton (Armie Hammer). O suficiente para que ela fique abalada ao receber um manuscrito do livro de seu ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal), intitulado “Animais Noturnos”. O enredo deste livro parte do ataque de um bando de rapazes e a brutalidade de suas ações contra a família de Tony Hastings (Gyllenhaal, também) em uma noite na estrada, no meio do Texas.

Em certo ponto do longa, a narrativa do cotidiano atual dela, interligada com a do livro que ela está lendo – a mais pungente, até pelo conteúdo do romance ficcional –, dá lugar a uma terceira, que recorda o passado de Susan com Edward. Aí mostra-se como começaram a namorar até a crise na relação deles, por causa das críticas da esposa ao trabalho do então aspirante a escritor, que culminou em seu fim traumático, especialmente para ele. Assim, o roteiro estabelece um paralelo entre as ações da trama literária e as de Susan com o autor, ainda que certas correlações sejam muito sutis e só se tornem claras ao público só ao final, especialmente para quem não leu a obra original de Wright.

Amy Adams confere nuances entre a Susan nem tão sonhadora como parece, de vinte anos atrás, e a bem-sucedida, mas amargurada, de agora. É uma atuação que a credencia para mais uma indicação ao Oscar – em 2017, aliás, ela chega forte também com A Chegada, de Denis Villeneuve. Como coprotagonista, Jake Gyllenhaal também encarna bem os dois personagens que tem em mãos. Igualmente se destacam a performance alucinada de Aaron Taylor-Johnson, indicado ao Globo de Ouro como coadjuvante, como o sádico Ray Marcus que ninguém quer encontrar no meio da noite e um ótimo Michael Shannon na pele do investigador Bobby Andes.

Também indicado a dois Globos de Ouro, como diretor e roteirista, Ford apresenta uma direção cada vez mais distinta, ainda mais em uma obra com narrativas, tempos e espaços diferentes. A trilha melodramática demais junta-se a enquadramentos que dão gravidade na parte de Susan e a diferenciam do viés mais realista justamente no conteúdo pretensamente ficcional, o do livro. É como se o diretor materializasse uma fala anterior do personagem de Michael Sheen, de que “o nosso mundo é menos doloroso que o mundo real”, em uma das ironias que faz da cena de arte contemporânea – e que é impossível não relacionar com o passado do estilista.

Metalinguagem pura, que explora a intimidade estabelecida entre leitor (ou espectador) e personagem, como espelho de si mesmo, entre a identificação e rejeição, Animais Noturnos é um filme que leva certo tempo para o público processar, não as informações mas os sentimentos que ele provoca, todos acerca da “precariedade de nossas vidas bem-protegidas", como sustenta o romance.

Nomeado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Michael Shannon).

(Nocturnal Animals - 2016)

sábado, 7 de janeiro de 2017

Passageiros (2016)


Se Passageiros, de Morten Tyldum (O Jogo da Imitação), tivesse a coragem de se assumir como a ficção científica que se anuncia, talvez fosse menos problemático do que o drama romântico que é. A premissa é boa – embora já explorada com mais competência em dezenas de filmes e romances do gênero –: sujeito perdido e sozinho no espaço. O que fazer? Não muito tempo atrás, Matt Damon, em Perdido em Marte, plantou batatas até chegar o resgate.

O personagem de Chris Pratt, Jim Preston, está numa situação semelhante, ainda que não precise produzir sua própria comida. Numa nave generacional (que viaja numa velocidade menor do que a da luz e vai levar mais de um século para chegar ao seu destino), ele acorda da hibernação muitos anos antes de concluída a viagem, quando a câmara onde dormia deixa de funcionar. O que fazer em uma nave que mais parece um hotel de luxo? Além de estar completamente só, ele não tem tantas opções para matar o tempo, no entanto. Há distinção de classes e a dele parece ser uma das mais baixas, não lhe dando acesso a todos os ambientes, nem a muitas opções de alimentação. E mandar um recado à base na Terra não é uma opção viável, pelo larguíssimo tempo exigido.

Jim Preston, então, passa alguns anos se entretendo como pode: saindo da nave por uma porta especial e passeando no espaço, e conversando com um robô-barman (Michael Sheen), enquanto se embebeda. Ele também tem acesso a todos os arquivos com informações dos 4.999 passageiros que ainda hibernarão por cerca dos 130 anos que a viagem ainda durará. É aí que ele descobre Aurora (Jennifer Lawrence), uma escritora a caminho de nova colônia apenas pela experiência, para ficar um ano e depois voltar à Terra (onde todo mundo que conheceu estará morto há anos) e escrever um livro.

Sem muita crise de consciência, ele a desperta. E junto com ela chegam também os maiores problemas do filme que sai do prumo exatamente nesse momento. Escrito por Jon Spaihts, Passageiros é a materialização de um fetiche masculino potencializado: a mulher dependente e presa a um homem. Aurora – sem saber o que ou quem a acordou – não tem muita opção a não ser se apaixonar por Jim.

E é claro que isso acontece. O dilema ético e moral que surge daí é substituído por joguinhos de sedução em torno da beleza do casal e do espaço sideral. A partir do momento que Jim acorda Aurora, ele a condenou a uma vida ao seu lado (mesmo que ela o ignore). As justificativas, obviamente, para tal ato partem apenas das necessidades dele. Não é difícil simpatizar com Jim, um sujeito legal preso sozinho no espaço. Mas ele tinha direito sobre a vida de Aurora? Qualquer crise de consciência que ele pudesse ter logo se dissipa, pois a cada cena o filme parece querer justificar a atitude do personagem.

Há um ou outro momento com um bom visual – uma piscina num ambiente sem gravidade é o melhor deles – mas Passageiros não se sustenta. Nota-se uma certa falta de química entre os atores – as tão faladas cenas de sexo são de uma sensualidade tão mecânica quanto o robô-barman – e nem até agora infalível carisma de Jennifer Lawrence encontra sua melhor expressão aqui.

Nomeado aos Oscar de Direção de Arte e Trilha Sonora.

(Passengers - 2016)

Minha Mãe é uma Peça: O Filme (2013)


Minha mãe é uma peça – O Filme, adaptada do monólogo homônimo, há momentos que funcionam muito bem, outros, nem tanto. Os primeiros acontecem graças ao talento para escrever e interpretar de Paulo Gustavo – autor da obra teatral que também interpreta a protagonista. Ele tem um timing para a comédia, e, na versão teatral, na qual apenas ele estava no palco, funcionava bem melhor do que nas telas. No filme, foi preciso inventar uma narrativa e trazer à cena personagens para contracenar com Dona Hermínia que nem sempre dão certo.

Eles são seus filhos, Juliano (Rodrigo Pandolfo), Marcelina (Mariana Xavier) e Garib (Bruno Bebianno), fontes de preocupações constantes para a mãe. O rapaz é gay, e, para desespero dela, está começando um namoro. Já a garota não para de comer. Há também o ex-marido (Herson Capri) e a nova mulher dele (Ingrid Guimarães).

Depois de um mal-entendido com os filhos, Dona Hermínia sai de casa e se instala com a tia Zélia (Suely Franco), enquanto Juliano e Marcela começam a passar até fome, pois são totalmente dependentes da mãe. Ela, por sua vez, espera uma retratação deles e conta suas histórias para a parenta.

É uma estrutura simples, criada para acionar a veia cômica de Paulo Gustavo. Quando a cena é dele, o filme funciona bem, faz mesmo rir. Quando ele não está em cena e o longa passa a depender dos coadjuvantes, no entanto, perde a graça, porque os personagens são rasos demais – até para uma comédia popular que não demanda situações muito complexas.

(Minha Mãe é uma Peça - 2013)

Rogue One: Uma História Star Wars (2016)


Rogue One: Uma história Star Wars introduz uma série de personagens novos mas a intenção mesmo é manter a costura que remete à velha série de aventuras criada por George Lucas no final da década de 1970 – com direito a participações de alguns dos personagens-chave da franquia.

Como acontecia já no filme deste universo do ano passado, O despertar da força, mais uma vez a força de uma mulher é central nos acontecimentos. Desta vez, trata-se da jovem Jyn Erso (Felicity Jones), marginal que será conquistada para a causa da Aliança Rebelde contra o Império.

Há motivos de sangue para este engajamento, ainda que relutante – Jyn é filha de Galen Erso (Mads Mikkelsen), o cientista por trás da criação da temível Estrela da Morte, centro do poder bélico do Império. A nova história começa com um episódio dramático da infância dela, mostrando sua separação dos pais e a sua posterior proteção por parte de Saw Gerrera (Forest Whitaker).

Um corte temporal e já vai-se ver Jyn moça e valente, sendo resgatada da servidão por parte de integrantes da Aliança justamente para encontrar o pai, que se acredita seja um traidor vendendo o seu talento para fins mortíferos. Esse resgate coloca Jyn em contato com a trupe central aqui: o capitão Cassian Andor (Diego Luna), Chirrut Imwe (Donnie Yo), um monge cego e mestre das artes marciais, e seu fiel escudeiro, Baze (Wen Jiang), um piloto desertor do Império, Bodhi (Riz Ahmed), e o robô K-2SO. Como é habitual no universo Star Wars, o robô serve de alívio cômico com observações sem noção e uma certa hostilidade contra Jyn.

Do lado escuro da Força, o administrador Krennic (Ben Mendelsohn) é um vilão ambicioso, disposto a medir forças até com o malvado-mor Darth Vader (voz de James Earl Jones) – que dá o ar de sua graça por aqui inclusive sob uma forma inusual e com direito a pelo menos uma sequência de luta com sabres de luz, que deve saciar um pouco a saudade dos fãs da cinessérie.

A batalha principal envolve a luta pelos planos da Estrela da Morte, missão que será encabeçada por Jyn e companhia com máximo teor de perigo. Verdade que, nessa sequência primordial do filme, estica-se um pouco a duração com batalhas de naves e cenas de guerra que procuram encher os olhos dos fãs e justificar o alto orçamento. Mas é inegável que os personagens, mesmo sem ser memoráveis, são atraentes o suficiente para que o público sinta falta destes pioneiros que se sacrificam pela missão - pois, como se sabe, a sabotagem da Estrela da Morte é pérola do bolo da boa a e velha trilogia original.

Nomeado aos Oscar de Edição de Som e Efeitos Especiais.

(Rogue One - 2016)