domingo, 27 de fevereiro de 2011

Enrolados (2010)



Lembra-se de Rapunzel? A garota da longas tranças loiras que as jogava pela janela de uma torre onde estava presa? Pois é, ela ainda está lá, seus cabelos ainda são longos, mas o seu senso de humor é completamente diferente. Esqueça aquela noção de contos de fada de donzelas sofredoras e choronas, herois valentes e paixões puras – uma visão que a Disney ajudou a perpetuar ao longo das décadas. “Enrolados” subverte esses clichês, embora a paixão pura continue mais ou menos ingênua, já que se trata de um filme infanto-juvenil.

Rapunzel é uma garota hiperativa, mesmo confinada à sua torre. O mundo exterior, diz a sequestradora que ela pensa ser sua mãe, é cruel e perigoso. Assim, seu único amigo é um camaleão. A chegada do ladrão Flynn Ryder é a mudança que ela não esperava, mesmo que ansiasse por algo de novo. Ele é um ladrão foragido que precisa a todo custo se esconder.

Para eles, juntos, o mundo é tão atrativo quanto perigoso. Em companhia do seu camaleão de estimação e fugindo de um cavalo esperto que persegue o ladrão, Rapunzel e Flynn percorrem as florestas do Reino. Ela, encantada com todas as novidades; ele, fugindo de seus perseguidores.

Já a mãe adotiva entra para a galeria de figuras maternas maquiavélicas da Disney, que não é uma lista curta. Mamãe Gothel é uma figura à parte. Com sua voz doce e sua chantagem emocional, ela é capaz de facilmente manipular Rapunzel, fazendo com que a menina se sinta culpada por não amar suficientemente a mulher que a sequestrou – que pensa ser sua mãe.

Indicado ao Oscar de Melhor Canção.

(Tangled - 2010)

As Patricinhas - Primeira Temporada (1996)


Desde a minha adolescência sou fã do filme “As Patricinhas de Beverly Hills” de 1995, que deu origem a este seriado. Sou fã e não nego, e por esta razão tive curiosidade em assisti-lo e assim verificar o que há de bom, ou não, nele.

Primeiramente observamos que o elenco não é o mesmo do filme, começando pela protagonista Cher Horowitz, antes interpretada por Alicia Silverstone e agora por Rachel Blanchard. No mais, temos alguns atores que permaneceram em cena e continuaram interpretando seus personagens, como por exemplo, Stacey Dash como Dionne, Donald Faison como Murray, Elisa Donovan como Amber, Twink Caplan como Senhorita Geist, Wallace Shawn como Mr. Hall, e também, Julie Brown, Nicole Bilderback e Sean Holland, desta vez interpretando os mesmos personagens, porém com nomes diferentes, respectivamente treinadora Deemer, Nicole e Sean, e não mais Ms. Stoeger, Summer e Lawrence, como no filme. Temos também a conservação de alguns cenários, como as belas ruas de Beverly Hills e a luxuosa mansão de Cher, que aliás é uma locação real, e não um cenário construído para o filme.

Logo depois vemos que outros personagens continuam na trama, como o pai da Cher, o bravo Mel Horowitz (agora interpretado por Michael Lerner), o meio irmão Josh e a amiga Tai, interpretados por novos atores. Alguns atores do filme tiveram aparições especiais no seriado, como Britanny Murphy, Paul Rudd e Breckin Meyer, até mesmo o bonitão Eric Balfour teve uma aparição no seriado em começo de carreira interpretando um entregador de pizza.

Não há como comparar a qualidade do filme com a deste seriado. Os temas abordados, as caracterizações dos personagens, seus looks, tudo deixa a desejar e se infantiliza, talvez para buscar um público específico, fugindo daqueles que de alguma forma admiraram o filme.

(Clueless - First Season - 1996)

O Vencedor (2010)



No ringue, só um lutador pode vencer. Mas se não fossem dois os heróis de “O Vencedor”, a curva dramática do filme não existiria. São dois irmãos, homens de trajetórias inversas, que ocupam o centro da trama – Micky Ward (Mark Wahlberg, o caçula, está subindo no mundo do boxe, no rumo de tornar-se campeão; o mais velho, Dicky Eklund (Christian Bale), ao contrário, já desperdiçou sua chance, embora tenha no currículo um nocaute sobre ninguém menos do que a lenda Sugar Ray Leonard.

O que está fora do ringue é tão importante quanto o que acontece em cima dele. O clã familiar exerce uma pressão formidável sobre Micky Ward. Apesar de ser um lutador em ascensão, ele tem de carregar essa família toda nas costas – o irmão drogado que se tornou seu treinador, a mãe possessiva, Alice (Melissa Leo, de “Rio Congelado”), e um formidável time de sete irmãs desocupadas e intrometidas. O pai dele, George (Jack McGee), faz o que pode, mas também costuma sucumbir a este quase irresistível poder.

Diante do declinante sex-appeal, a matrona Alice compensa com mão de ferro com o poder sobre os compromissos de Micky e sua renda – nem sempre em benefício do filho. Apesar de sua inegável experiência, Dicky é um treinador um tanto relapso – desaparecendo para ‘viajar’ no crack. Sem vida própria, Micky encontra na desbocada Charlene (Amy Adams, de “Dúvida”) uma namorada e uma força nova para reagir ao resto do clã.

A performance sutil de Wahlberg, talvez não foi devidamente reconhecida, mas são as dúvidas, hesitações e o tumulto interior desse protagonista que ditam o ritmo de todo o resto. Micky carrega a pulsação do filme em cada golpe dado ou recebido. Mas Dicky é quem sempre tem o poder de alterar essa energia.

Baseado em personagens e situações reais, “O Vencedor” insere seu nome numa longa galeria de bons filmes sobre o boxe, renovando sua gama de contradições dramáticas. Mesmo quem não gostar do esporte, pode sintonizar-se com as emoções à flor da pele de uma família irlandesa e exagerada, que lembra muitas outras que conhecemos tão bem.

Vencedor do Oscar de Ator Coadjuvante (Christian Bale) e Atriz Coadjuvante (Melissa Leo). Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Direção (David O. Russell), Atriz Coadjuvante (Amy Adams), Edição e Roteiro Original.

(The Fighter - 2010)

Almost Normal (2005)



Um homossexual se aproximando da crise de meia-idade está cansado de ser diferente por ser gay. Ele quer ser normal. De repente ele é enviado para a época que ele estava na faculdade. Mas desta vez, o mundo é gay e ser hétero é considerado comportamento depravado. E então outra coisa acontece. Ele conhece uma garota. E de repente, o normal se torna... bem, quase normal.

(Almost Normal - 2005)

Reino Animal (2010)



A história de um jovem de 17 anos que vive em uma família conturbada, cheia de problemas com a justiça e sentimentos explosivos. Um detetive decide lutar com todas as forças para tirá-lo desse ambiente e salvá-lo de um futuro sombrio.

Indicado ao Oscar de Atriz Coadjuvante (Jacki Weaver)

(Animal Kingdom - 2010)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Reencontrando a Felicidade (2010)



Não é fácil conversar com Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart). Sempre é preciso ter muito tato, pensar duas vezes antes de tocar em algum assunto, fazer mil rodeios e certificar-se de que não vai trazer à tona qualquer lembrança do casal sobre a grande tragédia por que passou há menos de um ano. Por isso, os primeiros minutos de “Reencontrando a Felicidade” são quase um mistério. Os personagens conversam, mas o público percebe que não falam sobre tudo. Há uma artificialidade, um receio.

Só mais tarde se vai entender tanto cuidado. Há oito meses, o casal perdeu o filho pequeno e ainda tenta lidar com essa dor. Eles procuram um grupo de ajuda, que parece funcionar melhor para Howie, enquanto sua mulher bate de frente com pessoas que vivem a mesma situação e buscam explicações, quando não há. Ela, por sua vez, encerra-se em seus demônios pessoais, parecendo que a dor é mais um conforto do que algo a ser superado.

À primeira vista, “Reencontrando a Felicidade” não parece o material ideal para o terceiro filme de John Cameron Mitchell, cuja obra consiste de “Shortbus” e “Hedwig – Rock, Amor e Traição” – filmes em que a questão da sexualidade (até com sexo explícito) era o centro. Neste novo longa, por sua vez, Becca e Howie são praticamente assexuados – embora exista uma tentativa frustrada de sedução. Por outro lado, o diretor demonstra ter a sensibilidade certa para este material, adaptado por David Lindsay-Abaire, baseado em sua peça ganhadora do Pulitzer.

Boa parte da força de “Reencontrando a Felicidade” vem de seu texto, dos bons diálogos e da forma como a narrativa se abre, com a tensão crescendo de forma gradativa. Uma das melhores cenas acontece quando Howie e Becca começam a discutir sobre um assunto e culminam numa disputa para saber qual dos dois tem mais culpa na morte do filho. Eles não culpam um ao outro, mas cada um a si mesmo.

A situação torna-se mais delicada quando a problemática irmã de Becca, Izzy (Tammy Blanchard), engravida e a mãe delas, Nat (Dianne Wiest), insiste em comparar a morte do neto com a do seu próprio filho. O que nenhum personagem parece perceber – e nisso inclui-se a própria Becca – é que ela não está preparada para lidar com a dor ou seguir em frente, termos apenas paliativos que os grupos de ajuda tanto gostam de usar. Ninguém tem a coragem de sugerir que ela procure outros tipos de apoio.

Os dilemas são constantes. O que fazer com as roupas e brinquedos do menino? O que fazer com o cachorro? E como lidar quando vir por acaso o motorista que dirigia o carro que matou o filho dela? Felizmente, “Reencontrando a Felicidade” evita os caminhos dos clichês. Ao contrário, o filme segue de forma sutil, dando espaço para que os personagens vivenciem suas histórias, sem empurrá-los numa ladeira de desespero.

Por isso, é uma surpresa quando ela se torna amiga de Jason (Miles Teller), rapaz responsável pelo acidente. Não existem segundas intenções nos encontros entre os dois. Eles querem apenas conversar. Partilham de um trauma mútuo, em diferentes proporções e com significados diferentes. Mas cada um pode beneficiar-se da presença do outro. Ao contrário de Becca, o marido Howie insiste em frequentar um grupo de apoio onde pessoas se encontram, algumas há vários anos, para falar sobre a morte dos filhos.

O título original do filme, “Rabbit Hole”, que se traduz como “toca do coelho”, faz uma referência clara ao universo de Alice no País das Maravilhas. Mas também ganha outros sentidos ao longo de “Reencontrando a Felicidade”. É necessário um universo paralelo, um mundo de fantasia, para superarmos os nossos traumas, as nossas dores? Ou seja, é preciso escapismo para enfrentar a vida? Quando o filme levanta questões como essa, encontra-se a grande humanidade e beleza que residem em seus personagens, e é quando mais nos identificamos com eles.

Nicole Kidman foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz por sua atuação neste filme.

(Rabbit Hole - 2010)

Inverno da Alma (2010)



Na pele de Ree Dolly, garota de 17 anos responsável por uma família, Jennifer Lawrence se torna imediatamente objeto de simpatia. Esconde sua beleza atrás de um rosto triste e duro, pelo qual passam poucos sorrisos, o corpo magro envolto em roupas largas e puídas, transformando-se num elemento natural da paisagem desolada da região montanhosa de Ozark, sudoeste do Missouri.

Um sentido ético move esta adolescente – o cuidado dos dois irmãos menores e da mãe, que perdeu a razão há muito tempo. O pai, Jessup, é um ausente e um problema. Envolvido na fabricação caseira de drogas, foi preso e deu a casa da família como garantia no financiamento de sua fiança. Depois disso, mais uma vez desapareceu. Agora, o relógio corre e o xerife Baskin (Garret Dillahunt) avisa Ree que, se ele não se apresentar no dia marcado, a casa será tomada.

Sobrevivendo de um parco seguro social que não garante nem a comida aos seus, forçando-a a aceitar caridade de vizinhos, Ree se desespera. Não tem outra alternativa, no entanto, que assumir o encargo de caçar o pai, seguindo pistas de sua rotina, na casa de ex-amantes e parentes. Como o irmão dele, Teardrop (John Hawkes), que a trata com uma violência que sinaliza o que vem por aí. Os outros parentes são muito piores.

Ao assinalar para sua heroína um calvário calcado de mistérios, subentendidos e o enfrentamento da lei do silêncio que vigora num clã criminoso, o filme de Debra Granik cria um suspense sinistro com perigos bem realistas. A atmosfera escura e sufocante da região, em que uma das poucas alternativas profissionais para jovens está no alistamento militar, evidencia a crise econômica que, naquele lugar, é crônica.

Pressionada pela urgência de sua procura, Ree não encontra alívio nem nas instituições, nem em seu clã disfuncional, em que parece ter se esgotado toda a reserva de decência e fraternidade. Que espécie de lei do cão governa esta família de chacais? Diante de seus golpes, alguns bem literais, Ree parece renovar sua coragem, nutrindo-se da própria falta de escolhas. Por conta da inegociável legitimidade de sua luta, torcemos por essa heroína incorruptível e frágil que tem que lidar com um arsenal quase infinito de desvantagens. Por trás dos quais, ironicamente, vislumbra-se que ela tem uma chance.

Inverno da Alma foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, além das indicações a Melhor Atriz (Jennifer Lawrence), Ator Coadjuvante (John Hawkes) e Roteiro Adaptado.

(Winter's Bone - 2010)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita (2010)



Para quem conhece o “Bravura Indômita” de 1969, de Henry Hathaway, com John Wayne como protagonista, a história é certamente muito semelhante – mas com diferenças que assinalam a personalidade da nova encarnação. Os Coen voltaram à fonte original, ou seja, o romance de Charles Portis de 1968, e fizeram a sua própria leitura.

O trio principal, certamente, está lá – a garota Mattie Ross (a impressionante novata Hailee Steinfeld), aos 14 anos empenhada na vingança do assassinato do pai; o oficial beberrão Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que ela contrata para caçar o assassino; e LaBoeuf (Matt Damon), um Texas Ranger também na cola do mesmo criminoso, por causa de uma recompensa.

Se a trama que une os três é a mesma, o tom da história não é. Muito menos a maneira como os três atores se apropriam de seus personagens. A maior atualização recai sobre a figura de Mattie, nesta nova versão muito mais dura e realista do que a meiga Kim Darby de 1969. Um detalhe que aproxima mais Hailee de Mattie é que ela realmente tem 14 anos – enquanto Kim era uma moça de 21.

Boca-dura, voluntariosa e muito esperta, Hailee tem o maior desafio – encaixar-se num mundo adulto e convencer Cogburn e LaBoeuf de que ela não abre mão de participar pessoalmente da captura de Tom Chaney (Josh Brolin). E ela dá conta espetacularmente bem do recado. A cena em que ela veste as roupas e coloca o chapéu do pai e se põe a caminho do território indígena, onde se esconde Chaney, neste sentido, é emblemática – Mattie realmente está deixando a infância para trás e definitivamente tornando-se adulta. Ela nem sabe ainda o quanto.

Na pele do oficial bêbado, rústico e matador, Jeff Bridges dá um show de interpretação. Começando pela dicção incompreensível de matuto, cujo melhor amigo é uma garrafa de uísque. Ele é muito mais rude e convincente do que o heroico John Wayne. Nas cenas de bebedeira, então, nem se fala. É fato que Bridges habita Cogburn, um sujeito endurecido, forjador das próprias leis e que não costuma fazer prisioneiros, só cadáveres.

Uma outra diferença a favor desta versão é aprofundar mais o contexto. No filme de 1969, apesar de se passar em território indígena, não se vê um índio. Aqui há vários, começando pela cena inicial do enforcamento – em que ao único condenado nativo é negado o direito das últimas palavras. Há outras situações que denotam o tratamento politicamente incorretíssimo destinado aos donos da terra pelos valentões brancos de passagem.

Os tipos estranhos que povoam esse tipo de cenário, descritos no livro, aqui entram em cena – como Bear Grit (Ed Corbin), um estranho curandeiro, vestindo pele de urso, que cruza o caminho de Cogburn e Mattie. São detalhes que reforçam a atmosfera, criando verossimilhança.

Outra diferença essencial está nas cores do filme. Onde vibrava o technicolor da produção de 1969, aqui predominam os cinzas e azuis, fieis à paisagem invernal – com muita neve à vista.

O sucesso das duas versões, separadas por quatro décadas, faz pensar. As plateias de hoje, como as de 1969, curiosamente, respondem ao mesmo tipo de lealdade e compromisso que move o trio principal, por mais que o mundo moderno pareça governado pelas novas formas de comunicação retratadas em “A Rede Social”.

Indicado a 10 Oscar: Melhor Filme, Ator (Jeff Bridges), Atriz Coadjuvante (Hailee Steinfeld), Direção (Ethan Coen e Joel Coen), Direção de Arte, Fotografia, Figurino, Edição de Som, Mixagem de Som e Roteiro Adaptado.

(True Grit - 2010)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Signs (2008)




(Signs - 2008)

Manhattan (1979)


"Capítulo Um. Ele adorava Nova York. Ele a idolatrava". Satírico e encantador, "Manhattan" é o ápice arrebatador do caso de amor cinematográfico de Woody Allen com Nova York. Ele até mesmo começa na forma de uma declaração de amor, com uma montagem afetuosa de imagens da cidade. "Annie Hall", seu filme de 1977, ganhou os prêmios mais importantes, mas este filme agridoce que veio em seguida (também escrito por Allen e Marshall Brickman) é o ato de equilíbrio perfeito entre ironia, amargura, boas tiradas sarcásticas ("No que diz respeito às relações com mulheres, eu deveria ganhar o prêmio August Strindberg") e espetadelas em feridas. O romântico intelectual Isaac Davis, um escritor de comédias interpretado por Allen, é magoado pela personagem pretensiosa, tipicamente WASP ("branca, protestante, anglo-americana"), de Diane Keaton, Mary Wilkie, e volta correndo para a encantadora e assustadoramente jovem Tracy (Mariel Hemingway), que ele havia magoado anteriormente.

"Manhattan" possui alguns dos elementos de "Annie Hall" que, mais tarde, passariam a ser vistos como marca registrada de Woody Allen. Há protagonistas viciados em psicanálise ("Ele fez um bom trabalho com você.. sua auto-estima está só um pouco abaixo de Kafka agora") e um bom amigo (Michael Murphy, neste filme) com quem é possível compartilhar intimidades e piadas. Entre os pequenos prazeres a serem encontrados em "Manhattan" estão um dos primeiros papéis de Meryl Streep (como Jill, a ex-esposa antagônica de Ike), planos abertos como a cena de alvorada em que vemos Allen e Keaton sentados em um banco sob a ponte da Rua 52 (a famosa imagem do cartaz), ou as composições em seu encontro no planetário, um preto-e-branco luminoso, fotografia em widescreen por Gordon Willis e um uso fabuloso da música de George Gershwin como trilha sonora (em gravação da Filarmônica de Nova York, regida por Zubin Mehta).

Há um momento especialmente grandioso e revelador, no final do filme, quando Woody/Ike reflete, em um monólogo, que os habitantes de Manhattan criam neuroses para sí mesmos a fim de evitar "problemas mais difíceis de resolver e mais angustiantes em relação ao Universo" e alegra-se (alegrando também o espectador) enumerando diversas pessoas e coisas encantadoras - começando por Groucho Marx, esportes, música, literatura, arte, comida e, naturalmente, filmes - que dão valor à vida.

Indicado ao Oscar de Atriz Coadjuvante (Mariel Hemingway) e Roteiro Original.

(Manhattan - 1979)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010)



“Eu Não Quero Voltar Sozinho” conta a história de Leonardo, um adolescente cego que sempre contou com a ajuda de sua melhor amiga, Giovana. No entanto, novos questionamentos surgem na cabeça de Leo depois que um aluno novo, Gabriel, chega na escola.

O que me fez gostar tanto do curta foi a maneira como a cegueira de Leonardo é abordada. Não caímos naquele clichê do menino deficiente que sofre na escola, chora o tempo todo, questiona muito a vida, e te faz ficar com pena. Nada disso!

"Às vezes eu fico com um pouco de raiva do mundo, sabe? Mas todo mundo fica, né? Por um motivo ou por outro".

O roteiro é simples, a história é amena. Nada que, aparentemente, seja muito emocionante. Ao invés do drama que muita gente espera quando lê a sinopse do curta, Daniel Ribeiro mostra com sutileza as emoções de um adolescente inocente. O primeiro toque, o primeiro beijo e o friozinho na barriga. Uma história bonita e livre de qualquer preconceito.

Segue o curto na íntegra:



(Eu Não Quero Voltar Sozinho - 2010)

Nosso Amor de Ontem (1973)



As lendas do cinema Barbra Streisand e Robert Redford enchem de magia este filme como os encantadores apaixonados Katie Morosky e Hubbell Gardiner. Eles vivem a clássica historia de amor dos opostos que se atraem, tendo como pano de fundo a época de guerra na Europa, a prosperidade americana e a paranóia do McCarthismo em Hollywood.



Indicado ao Oscar nas categorias: Melhor Atriz (Barbra Streisand), Direção de Arte, Fotografia e Figurino. Vencedor de 2 Oscar: Trilha Sonora e Música.

(The Way We Were - 1973)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Vinhas da Ira (1940)



Poucos filmes americanos da década de 1930 lidaram com o sofrimento e os transtornos da Depressão. Hollywood, em sua grande maioria, deixou que outras mídias, como o teatro, a literatura e a fotografia, documentassem o desastre nacional. O romance de John Steinbeck "As Vinhas da Ira", publicado em 1939, foi baseado em uma pesquisa rigorosa, em que o autor seguiu famílias agricultoras desalojadas de Oklahoma na sua jornada até as lavouras da Califórnia em busca de trabalho.

Apesar das objeções dos conservadores que controlavam o estúdio, Darryl Zanuck comprou os direitos do livro para a 20th Century Fox. Ele sabia que John Ford era o homem certo para dirigir o filme, com sua sensibilidade para com o povo americano e sua história. Ford também se identificava com o que há de mais doloroso no suplício da família Joad - não a pobreza aguda, mas o trauma psicológico de quem é arrancado do seu lar, jogado na estrada, desenraizado. Em uma cena memorável, a Mãe (Jane Darwell) queima os pertences que não pode levar consigo na noite anterior ao dia em que precisam abandonar a fazenda.

Para o papel do protagonista Tom Joad, Ford escalou Henry Fonda, que pouco tempo atrás havia estrelado "A Mocidade de Lincoln" (1939) e "Ao Rufar os Tambores" (1939), dois outros filmes sobre a história da América, também dirigidos por Ford. Dentre os outros membros da Sociedade Anônima John Ford presentes aqui estão Russell Simpson como o Pai, John Qualen como o amigo Muley e John Carradine como o pastor itinerante. E, para o posto de cinegrafista, Ford fez uma escolha inspirada. Gregg Toland capturou de forma brilhante o olhar documental das fotografias que haviam sido tiradas da tragédia por fotógrafos contratados pelo governo, como Dorothea Lange. Em nenhum momento isso fica mais patente do que na sequência em que a família Joad chega a um acampamento de sem-terra, com a câmera detendo-se nos rostos soturnos dos ocupantes e nos barracos caindo aos pedaços em que eles vivem.

Embora "As Vinhas da Ira" não deixe de mostrar a enormidade do sofrimento dos seus protagonistas, há uma importante divergência em relação ao livro. No romance de Steinbeck, a família a princípio encontra condições mais favoráveis em um acampamento do governo, porém, no fim, se vê reduzida a salários de fome. No filme, ela chega ao mesmo acampamento mais tarde, de modo que seu progresso se dá em uma curva ascendente, marcada pela última fala da Mãe: "Nós somos o povo... jamais deixaremos de existir."

Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante(Jane Darwell) e Direção (John Ford). "Vinhas da Ira" foi indicado nas categorias: Edição, Roteiro, Som, Filme e Ator (Henry Fonda).

(The Grapes of Wrath - 1940)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

American Dreams - Primeira Temporada (2002)


(American Dreams - Season One - 2002)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Namorados Para Sempre (2010)



O que une e o que separa os casais pode ser simplesmente a mesma coisa. Aquilo que, no começo da relação, é uma qualidade, anos depois pode se transformar num defeito insuportável. No doloroso “Namorados para Sempre”, Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) se conhecem, se apaixonam, casam, têm uma filha e o tempo consome a ternura.

Dirigido e coescrito por Derek Cianfrance, “Namorados para Sempre” investiga os mecanismos que aproximam as pessoas e as primeiras fraturas de um relacionamento que culminam com a separação. Para isso, a narrativa entrecorta passado e presente, dois tempos da descoberta e da perda. Há uma elipse grande entre os personagens da qual o roteiro dá conta muito bem, deixando nas entrelinhas tudo o que é preciso saber daqueles anos que não são mostrados no filme.

Como ao centro de “Namorados para Sempre” está o arco do casal de protagonistas, a força vem, é claro, das duas interpretações. Michelle e Gosling encontram a distinção que existe entre o passado e o presente de Dean e Cindy. As mudanças pelas quais passam os personagens são críveis porque os atores trazem à tona exatamente o que há de mais humano nessas pessoas: a fragilidade.

Dean é romântico, apaixonado e quer ser feliz. Cindy quer estudar medicina, tem um namorado, Bobby (Mike Vogel), a quem ama, mas que logo perceberá que é alguém em quem não pode confiar. Amar, diz o filme, envolve renúncias, autossacrifícios.
A direção de Cianfrance adota tons diferentes para contar os dois momentos do casal. Texturas e cores servem para diferenciar o estado dos personagens em cada momento. Já a trilha sonora de Grizzly Bear ajuda a criar um clima – especialmente quando o par está se apaixonando, criando um ar um tanto onírico.

É um clima de sonho, aliás, que persiste enquanto Dean e Cindy estão se conhecendo, se descobrindo. Mais tarde, anos depois, quando a realidade os desperta, e eles percebem que viver a dois é mais complicado do que apenas estar apaixonado, pode ser tarde demais. Ainda assim, “Namorados para Sempre” diz que amar vale a pena, mesmo quando o futuro é incerto.

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Michelle Williams)

(Blue Valentine - 2010)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei (2010)



O nobre em questão é o rei George VI (nascido Albert Frederick Arthur George), cuja gagueira torna-se um empecilho toda a vez que ele vai se dirigir à nação. Em tempos de paz isso já seria um problema. Em tempos de crise, isso coloca uma espada sobre sua cabeça. O nobre é interpretado por Colin Firth que, por ser inglês, não precisa fingir o sotaque, mas, por não ser gago, teve um pouco mais de trabalho para criar seu personagem.

Escrito por David Seidler – que também foi gago na juventude – , “O Discurso do Rei” é um divertimento cinematográfico à moda antiga, daqueles que as pessoas gostam de ver porque além de se divertirem saem da sessão supondo que conhecem mais sobre a história da Inglaterra, e tudo isso por apenas um ingresso.

Albert tentou diversos métodos para superar seu problema, mas nada funcionou. Sua mulher, Elizabeth (Helena Bonham Carter), descobre um sujeito com métodos nada ortodoxos. Mas, para quem já tentou falar com a boca cheia de bolas de gude, nada poderá ser mais radical. O sujeito é Lionel Logue (Geoffrey Rush), um terapeuta que mais com falação do que ação pode ser capaz de curar o futuro monarca.

Como esse é um filme de visão intimista, a política é reduzida ao básico, apenas para dar tom à trama. A questão central é George falar à nação e, com sua voz potente, ajudar os ingleses a superar um período conturbado e sobreviver à guerra que se avizinha. O irmão mais velho David (Guy Pearce) sobe ao trono após a morte do pai (Michael Gambon) e se torna, por um breve período, o rei Edward VIII. Mas seus problemas são piores do que a gagueira de Albert. Amante de uma mulher (Eve Best) que não apenas é plebeia e americana, mas também divorciada, ele abre mão do trono para ficar com a amada, o que obriga Albert a aceitar a coroa. A dinâmica de poder que envolve essa subida e descida do trono e o que se desenrolou depois (a simpatia de David por Hitler, que conheceu na Alemanha), por si só, já garantiriam outro filme – mas em “O Discurso do Rei” isso não interessa.

O que sobra é a amizade entre o rei George e o terapeuta que lhe trouxe segurança e, com isso, pode tê-lo ajudado a mudar o destino do mundo. Se num primeiro momento há um embate entre ambos – afinal o nobre não gosta muito dos métodos de Lionel, que se torna uma espécie de figura paterna –, com o tempo ele se rende aos métodos e ao poder de persuasão do outro.

O diretor Hooper sabe que é preciso deixar o filme nas mãos de seus dois atores centrais para que “O Discurso do Rei” funcione. E é exatamente isso que ele faz. A dupla Firth e Rush domina a cena sem muito esforço e sabe criar a empatia na medida certa para seus personagens – nem tão doces, nem tão atormentados.

"O Discurso do Rei" recebeu 12 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Direção (Tom Hooper), Ator (Colin Firth), Ator Coadjuvante (Geoffrey Rush), Atriz Coadjuvante (Helena Bonham Carter), Direção de Arte, Fotografia, Figurino, Edição, Trilha Sonora, Som e Roteiro Original. Ganhou 4 estatuetas: Melhor Filme, Direção (Tom Hooper), Ator (Colin Firth) e Roteiro Original.

(The King's Speech - 2010)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cisne Negro (2010)



Desde seu filme de estréia, “Pi” (1998), o diretor Darren Aronofsky não ia tão longe num mergulho na psicose como ele faz em “Cisne Negro”, um dos mais sinistros retratos do mundo do balé desde “Sapatinhos Vermelhos” (1948). Da maneira como o filme é cuidadosamente conduzido, o espectador é levado a compartilhar a visão de mundo de Nina Sayers (Natalie Portman). Junto com ela, enxerga-se os fantasmas e delírios da delicada bailarina, que ganha o cobiçado posto de protagonista do balé Lago dos Cisnes.

O papel exige da intérprete que o executa não só perfeição técnica, o que Nina certamente domina, como uma dualidade psicológica avassaladora. Aparentemente, sua natureza frágil e tímida, na qual toda sensualidade e agressividade estão severamente reprimidas, só encontra as chaves para interpretar a virginal princesa Odete, o Cisne Branco. A Odile astuciosa e pérfida, o Cisne Negro, resta oculta e dormente, em algum ponto perdido de sua psique, que ela precisa desesperadamente despertar.

Esta impressionante viagem ao mundo interior de uma jovem bela e neuroticamente frígida, em pânico diante da possibilidade de entrega física e emocional, tem inúmeros pontos de contato com “Repulsa ao Sexo” (1965), de Roman Polanski – em que Catherine Deneuve interpretava a mulher psicoticamente dividida, ilhada em seu apartamento.

Atriz talentosa e dedicada, Natalie Portman supera não poucos obstáculos, inclusive físicos, para interpretar solidamente esta Nina trágica, que desperta piedade e medo quase ao mesmo tempo. A atriz rompe suas fronteiras e sua imagem, não hesitando numa cena de masturbação, nem em outra de sexo lésbico – que, na verdade, são as que menos impressionam. É quando traduz a dualidade extrema desta mulher fraturada que não encontra sua síntese que Natalie exprime o melhor de sua arte. Seu sofrimento transpira humanidade, força, demência, amargura, e a impressionante solidão ao ir até um lugar onde absolutamente ninguém pode segui-la.

Ao seu lado, um competente quarteto de atores contribui decisivamente para o resultado: o francês Vincent Cassel, na pele do diretor da companhia que a pressiona e quer conquistá-la, sem decifrar seu tumulto interior; sua mãe (Barbara Hershey), que procura criar um halo de proteção para sua criatura, que sabe extremamente frágil, mas exagera na dose; sua colega e rival, Lily (Mila Kunis), que funciona como um contraponto da jovem sensual e livre que Nina não sabe ser. E Beth McIntyre (Winona Ryder), a assustadora veterana que a precedeu no papel e enlouquece quando tem de aposentar-se da companhia – prenunciando um sombrio futuro para as bailarinas mais velhas.

Sem a fotografia contrastada de Matthew Libatique e a montagem áspera de Andrew Weislum, este pesadelo barroco jamais poderia completar seu espectro. Se “Cisne Negro” passa como um turbilhão, certamente, é porque todos estes componentes se ajustaram da maneira mais consistente. Darren Aronofsky parece estar no melhor de sua forma.

Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Natalie Portman). Indicado aos Oscar de Melhor Filme, Direção (Darren Aronofsky), Edição e Fotografia.

(Black Swan - 2010)

127 Horas (2010)



É necessário fazer uma distinção entre a história do verdadeiro Aron Ralston e aquela mostrada em “127 Horas”, de Danny Boyle. O sujeito real é aquele que ficou 127 horas com o braço preso entre duas rochas, num cânion, em Utah, e teve de amputá-lo sozinho para conseguir sobreviver. Uma história que, em 2003, saiu em jornais do mundo todo e, mais tarde, virou um livro de memórias.

Engenheiro por formação, e aventureiro por natureza, Ralston (Franco) passa o final de semana escalando montanhas. Poucos incidentes cruzam o seu caminho: um par de garotas – interpretadas por Kate Mara e Amber Tamblyn – que têm pouca experiência e também estão explorando a mesma região. O filme se ocupa delas por pouco tempo. Os três se divertem numa piscina natural dentro de uma caverna, mas depois o protagonista segue sozinho.

Minutos mais tarde, cai numa fenda e uma rocha desliza por cima dele, prendendo seu braço. Começam então suas 127 horas de agonia. Para retratar isso, Boyle se vale de alguns malabarismos e muita pirotecnia, tentando segurar 90 minutos de um homem contra a natureza. Para criar o filme, o diretor tinha material em que se apoiar – do vídeo-diário que o próprio Ralston manteve naqueles dias, além do próprio sobrevivente para contar a sua história. Essa é uma trama que beira o existencialismo – o toque de aventura se esvai logo no começo. É a história de um homem no limite que não pode fazer outra coisa para matar o tempo a não ser pensar em sua vida, lembrando-se da infância e dos pais (Treat Williams e Kate Burton).

Mas Boyle é um diretor dado a modernices que não se contenta em narrar. É preciso dividir a tela em três, usar imagens aceleradas e outros rebuscamentos que, no fim, só diluem a força que a narrativa tem a oferecer. Flashbacks ecoam pela mente de um Ralston quase agonizante que, entre uma tentativa e outra de se libertar, pensa na família, nos amigos e em tudo o que está perdendo, preso entre duas rochas.

É inegável que há um certo sadismo num filme em que transforma em um espetáculo visual uma amputação a sangue frio. É bem verdade que Boyle não espetaculariza o clímax, mas, nem por isso evita a grandiloquência – especialmente com a trilha de A.R. Rahman – quando finalmente decide transformar Ralston numa espécie de heroi involuntário, que passa valorizar a vida depois de ter chegado perto da morte.

Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Ator (James Franco), Roteiro Adaptado, Edição, Trilha Sonora e Música.

(127 Hours - 2010)

O Escritor Fantasma (2010)


Em “O Escritor Fantasma” há uma tensão calma e silenciosa, que cresce aos poucos, na medida certa, sem se render a sangue, barulhos, sustos ou qualquer artifício. Roman Polanski volta ao melhor de sua forma, como em “Faca na Água”, “Repulsa ao Sexo”, “O Bebê de Rosemary” e “Chinatown”. Aqui, o diretor faz um jogo hitchcockiano tanto na aparência quanto na forma. A direção sóbria e eficiente valeu-lhe o prêmio na categoria no Festival de Berlim de 2010.

O personagem-título, cujo nome nunca se saberá, é interpretado por Ewan McGregor que, como fez em “Os Homens que Encaravam Cabras”, encarna novamente o ingênuo útil. Ele é um escritor medíocre com um único livro no currículo, a biografia de um mágico chamada “Vim, Serrei e Conquistei”. Sem passado, sem família e praticamente sem amigos, ele é a pessoa certa para retomar a biografia abandonada de um ex-primeiro-ministro inglês, Adam Lang (Pierce Brosnan). A função do escritor não é apenas colher o depoimento e passá-lo para o papel, mas “limpar” a vida do político, mantendo sua boa imagem.

Ah, alguém mencionou que o escritor que trabalhava no mesmo livro foi encontrado morto numa praia? Essa é a primeira imagem do filme e, até a sua conclusão, ameaçará várias vezes se repetir. O protagonista reinicia o trabalho abandonado e, quando termina a leitura do calhamaço, faz uma careta. O livro é chato e ele quer dar mais ritmo ao texto e produzir uma grande obra. Talvez tenha se esquecido de que não foi contratado para pensar, mas para anotar e digitar.

O ex-primeiro-ministro e sua mulher, Ruth (Olivia Williams, de “O Sexto Sentido”), sua secretária, Amelia (Kim Cattrall, de “Sex and the City”), e uma comitiva de seguranças ficam numa casa à beira-mar num pequeno vilarejo da costa dos Estados Unidos. Enquanto isso, na Inglaterra, o passado político obscuro de Lang vem à tona – especialmente fatos envolvendo referências ao Iraque, tortura e a CIA. O que não parece mera coincidência com o mundo real.

O que também não deve ser uma referência gratuita é um possível paralelo entre o exílio do primeiro-ministro e a condição de Polanski. Grupos de manifestantes ficam na porta da casa de Lang com cartazes dizendo “procurado”. Nada mais metafórico do que isso para a condição de Polanski.

A verdade é que parece irresistível tanto para Polanski quanto para qualquer outra pessoa a possibilidade de reescrever sua vida da forma mais conveniente – como faz o primeiro-ministro. As investigações independentes do escritor, no entanto, levam-no a descobertas que colocam em risco a sua própria vida.

O roteiro de “O Escritor Fantasma” baseia-se num romance de Richard Harris e foi adaptado pelo autor e pelo próprio Polanski. Com este filme, o diretor penetra na essência do ser humano, no que ele é capaz de fazer para alcançar seus objetivos. Às vezes, bastam coisas simples e nobres, como sobreviver, como mostra em “O Pianista”; ou manter-se honesto mesmo diante uma infância cruel, como “Oliver Twist”. Em outras oportunidades é preciso mergulhar fundo na condição humana, o que nem sempre é um passeio agradável, mas que pode gerar um excelente filme nas mãos da pessoa certa – como nas de Polanski.

(The Ghost Writer - 2010)