segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Kubo e as Cordas Mágicas (2016)


Apropriação cultural é uma questão que parece estar bem resolvida na animação Kubo e as Cordas Mágicas, novo filme dos estúdios Laika, o mesmo de Coraline e Boxtrolls. Isso porque, mesmo situado no Japão e envolvendo elementos da cultura nipônica, o filme o faz com tanto respeito e qualidade que não deve ferir nenhuma sensibilidade. O protagonista é o pequeno Kubo, samurai involuntário, vivendo uma história na qual as forças do mal - representadas por seu avô e tias – o ameaçam.

Ao centro, uma questão: entregar seu único olho (ele já perdeu o outro) ao avô, o maligno Rei Lua, e se tornar imortal ou lutar contra ele e todo o mal que representa. É claro que a escolha é pelo segundo caminho, o mais difícil mas também mais honroso. Há, aqui, a clássica trajetória do herói, combinada com elementos da cultura asiática. Kubo, capaz de criar origamis que ganham vida a partir das fábulas que inventa, é um contador de histórias com talento para inventar personagens e aventuras memoráveis. Porém, ele tem uma limitação: é incapaz de criar finais.

Filho de um Samurai lendário, chamado Hanzo e cujos traços são inspirados na figura do ator japonês Toshiro Mifune, o garoto foi criado por sua mãe numa caverna, escondido de todos por boa parte do tempo – exceto durante alguns momentos do dia quando foge para um vilarejo para contar suas histórias. Mas um ataque de suas tias, que usam máscaras do teatro Nô (assustadoramente sorridentes), acaba com essa rotina um tanto pacífica e coloca Kubo numa aventura, na companhia de uma macaca e um besouro-samurai, para tentar acabar com o reinado de terror do avô.

A jornada do garoto é a “desculpa” ideal para construir incidentes, cenários e ações visualmente impressionantes, como um navio criado apenas por folhas secas de árvores, ou o fundo do mar com olhos gigantes que capturam pessoas. Mas nada disso teria muito efeito se, ao centro, a trama, criada por Marc Haimes e Chris Butler, não fosse bem armada.

Há algo de Harry Potter na origem de Kubo, mas as personagens e cenários tão detalhadamente repletos de referências à iconografia japonesa fazem com que isso seja esquecido. Filmado pela técnica stop-motion o filme tem um apelo visual imenso, mas encontra também uma história à altura. A trama, longe da correria que se tornou regra para as animações infantis, tem seu tempo de desenvolvimento sem pressa e próprio para se aprofundar nas personagens e criar tensão.

Nomeado aos Oscar de Melhor Filme em Animação e Efeitos Especiais.

(Kubo and the Two Strings - 2016)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Capitão Fantástico (2016)


Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller) Cash resolveram viver uma utopia até o fim. Fugindo do mundo corporativo, do capitalismo e do consumismo, formaram uma família com seis filhos, vivendo numa cabana no meio da natureza, nas montanhas do estado de Washington. Seu cotidiano constitui-se de preparo físico intenso, treino de sobrevivência, trabalhos manuais, muitas leituras, músicas e conversas em conjunto, longe da internet, da televisão, dos celulares e videogames.

A crise da família acontece quando se manifesta a bipolaridade da mãe, forçando-a a viver longe deles. Um episódio dramático, que deflagra a ruptura neste mundo idealizado, retratada em Capitão Fantástico. O filme detalha a atmosfera desta família anticonvencional justamente a partir da ausência da mãe. E os detalhes são saborosos, com adolescentes lendo Dostoiévski, e todos, mesmo as crianças pequenas, discutindo desembaraçadamente as diferenças entre socialismo e capitalismo e declarando suas preferências entre trotskismo e maoísmo. Ainda que educados fora da escola, todos dominam ao menos cinco línguas. Ao invés do Natal, celebram anualmente o aniversário de Noam Chomsky, notório intelectual ativista norte-americano. E tarefas como caçar, preparar comida e lavar louça são divididas em comum. A ênfase desta educação libertária é a total independência.

O mundo lá fora, no entanto, não ficará indefinidamente à distância, especialmente quando acontece uma tragédia familiar. No velho ônibus que serve de transporte para idas ocasionais à cidade mais próxima – chamado “Steve” -, o pai embarca os seis filhos, rumo ao Novo México, onde moram seus sogros, Abigail (Ann Dowd) e Jack (Frank Langella).

A viagem transforma o filme num road movie, em que se tornam mais reais, sem deixar de ser engraçados, os primeiros contatos da trupe juvenil com a junk food – duramente combatidos pelo pai – e o primeiro amor, como no episódio vivido pelo irmão mais velho, Bodevan (George Mackay) num acampamento onde pernoitam.

O contraste de mentalidade torna-se mais nítido na visita da família pela casa da tia paterna, Harper (Kathryn Hahn), que é casada e tem dois filhos adolescentes educados de maneira diametralmente oposta aos primos da montanha. Aí é a chance de Ben mostrar, afinal, o que anda ensinando aos filhos. Mais dura é a passagem pela casa do sogro, um empresário rico, fã de armas e que simboliza o extremo oposto dos valores da família Cash, estando disposto a desafiar sua união a todo custo.

Um dos aspectos mais interessantes do roteiro, também escrito por Matt Ross, é não banalizar o confronto entre Ben e Jack. Escapando de uma discussão maniqueísta, permite ao personagem de Viggo Mortensen experienciar uma crise e auto-análise que fazem bem ao filme como um todo, além de humanizar a perspectiva do avô. Discutindo ideologias e símbolos da contracultura, Capitão Fantástico não se torna refém deles. É um saudável respiro de liberdade num universo excessivamente padronizado, ainda mais em tempos moralistas.

Nomeado ao Oscar de Melhor Ator (Viggo Mortensen).

(Captain Fantastic - 2016)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Sing Street (2016)


Dublin, Irlanda, 1985. Conor (Ferdia Walsh-Peelo) é um jovem obrigado a mudar de colégio, devido à difícil condição financeira de seus pais, que ainda por cima brigam sem parar. Logo ele tem problemas com um valentão local, que passa a persegui-lo, e também com o padre que coordena a escola, devido à sua disciplina rigorosa. Desiludido, Conor tem um sopro de esperança ao conhecer Raphina (Lucy Boynton), uma garota que está sempre à espera na porta da escola. Disposto a conquistá-la, ele diz que está montando uma banda de rock e a convida para estrelar um videoclipe. Com o convite aceito, agora ele precisa fazer com que a banda exista de verdade.

(Sing Street - 2016)

Sully: O Herói do Rio Hudson (2016)


Chesley “Sully” Sullenberger era um piloto experiente, com mais de 20.000 horas de voo, às vésperas de completar 58 anos quando, em 15 de janeiro de 2009, viveu a mais eletrizante experiência de sua vida. Pouco depois da decolagem do aeroporto LaGuardia, em Nova York, com 150 passageiros e 5 tripulantes a bordo de um Airbus A320, os dois motores entraram em pane, após uma colisão com um bando de pássaros. Acreditando que não haveria tempo para retornar e aterrissar em um dos aeroportos próximos, Sully, ousadamente, decidiu pousar o avião sobre as águas do rio Hudson. Como se sabe, todos se salvaram.

Embora uma reconstituição muito realista do sensacional episódio constitua parte substancial do filme, o centro nervoso do enredo é a investigação conduzida pela agência estatal de segurança dos transportes dos EUA, a National Transportation Safety Board (NTSB), sobre o arriscado procedimento levado a cabo por Sully, com assistência do co-piloto Jeff Skiles (Aaron Eckhardt).

Aí localiza-se o centro da controvérsia que inclusive extrapola o filme. Na tela, a apuração, conduzida por Charles Porter (Mike O’Malley) e Elizabeth Davis (Anna Gunn) – nomes fictícios, ao contrário dos pilotos -, é francamente hostil aos investigados, colocando em dúvida se o pouso no rio não teria sido uma temeridade e especulando que uma aterrissagem em LaGuardia ou Teterboro (aeroporto em Nova Jérsei) teria sido não só possível como recomendável.

A investigação, que poderia ter cassado a licença dos pilotos e acarretado outras punições, funciona, portanto, como um drama de tribunal, em que Sully e Jeff lutam para atestar a correção de suas atitudes, que são minuciosamente repassadas, uma por uma. Com aparência envelhecida para assemelhar-se ao personagem real, Tom Hanks assume por inteiro o papel de um homem investido da paixão pela defesa de sua honra mas que é igualmente atravessado pela dúvida – ele também se questiona sobre o que fez. Afinal, não é todos os dias que um piloto pousa na água e vive para contar a história, assim como todos os passageiros.

A polêmica transbordou para a vida real, já que os investigadores sentiram-se atingidos ao serem pintados como os vilões da história, o que eles negam. O próprio Sully, no entanto, em entrevista por e-mail ao jornal The New York Times, garantiu que o filme reflete “perfeitamente a tensão vivida naquele momento” e que o processo foi “adverso, com nossas reputações postas em jogo”. Além do mais, o piloto, hoje aposentado, teve acesso prévio ao roteiro, fez várias observações e foi presença constante no set, o que serve de aval à visão apresentada no filme de Eastwood – que, a bem da verdade, vai bem mais longe do que o livro escrito pelo piloto.

Em termos cinematográficos, Eastwood, 86 anos, mostra que continua afiado. Mesmo um espectador familiarizado com a história de final feliz terá tudo para temer pela sorte dos passageiros, dependendo do socorro de balsas e helicópteros que teriam que ser rápidos, devido à baixa temperatura dos ventos e da água do Hudson em pleno inverno.

Nomeado ao Oscar de Edição de Som.

(Sully - 2016)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Fallen (2016)


Há algum tempo não via algo tão ruim no cinema.

Filme péssimo, interpretações péssimas, má direção, efeitos especiais esdrúxulos, trilha sonora horrível! Só não digo que é uma má adaptação do livro, pois não cheguei a lê-lo. Enfim, economize e não vá assistí-lo.

Esta é a história da problemática e chata Lucinda, que vai para um colégio interno e conhece dois belos rapazes, os jovens Daniel e Cam. O que ela não sabe é que eles são anjos caídos e que durante toda a eternidade e reencarnação ela viveu um romance com Daniel. Romance este que sempre acaba em tragédia, porque Lúcifer tira a vida de Lucinda para assim se vingar de Daniel, que na batalha dos anjos não escolheu nem o lado do bem e nem o do mal para representar.

Até o momento não sei a quem esta história pode agradar para ter vendido tanto livro.

(Fallen - 2016)

domingo, 4 de dezembro de 2016

Anthropoid (2016)


Baseado em um dos grandes eventos da Segunda Guerra Mundial, a Operação Antropoid, que visava matar o general Heydrich, que era protetor do reich. Terceiro homem mais poderoso do período nazista, ele foi o principal arquiteto da solução final das questões judáicas e da ocupação nazista na Tchecoslováquia. Suas ações fizeram com que soldados aliados se unissem para mudar o futuro da Europa.

(Anthropoid - 2016)

Elle (2016)


A protagonista é uma executiva de sucesso, que comanda uma bem-sucedida empresa de videogames, ao lado de uma amiga, Anna (Anne Consigny) – uma chance para que o filme explore com ironia o choque de gerações, já que as duas senhoras chefiam uma turma de garotos. Cabe a Michèle exercer esse controle com mão de ferro, observações duras e nenhuma concessão.

O filme começa em tom alto, justamente pelo som da agressão sexual a Michèle em sua ampla casa - a princípio, nada se vê, exceto o final. Verhoeven voltará a essa cena outras vezes, para definir o caráter contraditório dessa mulher fria, calculista e que esconde um passado complicado, mantém relações ambíguas com seu casal de vizinhos, Patrick (Laurent Lafitte) e Rebecca (Virginie Efira), além de um duelo permanente com seu filho (Jonas Bloquet) e nora (Alice Isaaz).

Esse passado de Michèle, que envolve seu pai, justifica a reação surpreendente dela em relação à denúncia à polícia (mais uma vez, evite-se os detalhes). O que cabe dizer é que Elle é um filme de gênero que escapa de muitas armadilhas habituais justamente por pescar em águas sombrias e ser eficaz em seu suspense, humor negro e drama de gênero. A personagem foi feita à imagem e semelhança dos recursos de Isabelle, sempre crível quando é feroz. Essa consistência na composição da personagem é que impede que a história se torne misógina (embora sempre possa haver quem tenha essa interpretação). Provocativa ela é, e muito.

Nomeado ao Oscar de Melhor Atriz (Isabelle Huppert).

(Elle - 2016)

Gigante Adormecido (2015)


Neste trabalho de estreia do diretor e roteirista canadense Andrew Cividino, o espectador acompanha um trio de adolescentes em um verão no Lake Superior, em Ontario. Adam é um garoto reservado que está na cidade para passar o verão com seus pais. Ele acaba de conhecer Nate e Riley, primos que fazem parte de uma classe menos privilegiada que a dele e donos de um espírito de aventura (e crueldade) que assusta e ao mesmo tempo fascina Adam. Juntos, eles conversam sobre garotas, usam drogas, exploram a natureza local e dividem intimidades, sempre com certa agressividade típica de quem está definitivamente disposto a abandonar qualquer resquício de um espírito infantil.

Ao optar pelo retrato completo de seus protagonistas, Cividino faz do seu filme uma corajosa representação da adolescência através de três garotos de personalidades distintas, mas com a mesma dosagem de dubiedade moral. Mesclando atitudes que provocam, por vezes nostalgia, por vezes repulsa, o roteiro não se permite romantizar por inteiro a trajetória dos três protagonistas. Se em determinado momento o espectador se pega sorrindo ao contemplar o trio andando de skate pela rua à noite, em outro ele está balançando a cabeça enquanto escuta diálogos imaturos que revelam clara misoginia.

Como os hormônios pulsantes dos garotos, a câmera na mão traz ao longa a inquietude e a hiperatividade que os protagonistas tanto parecem buscar. O olhar de Cividino sobre suas figuras traz à tona a ambiguidade que casa com a narrativa: momentos guiados por um slow motion cujo resultado estético é certeiro dividem espaço com uma câmera documental preparada para registrar cada passo daqueles garotos com muita crueza – e muitas vezes, basta que algum deles abra a boca para que certa violência domine a cena.

Em paisagens que casam beleza e truculência, o diretor de fotografia James Klopko já de início presenteia o espectador com imagens do lago e os rochedos e florestas ao seu redor, como que adiantando a complexidade das figuras que o longa passa a apresentar logo em seguida. O trabalho tem destaque também em registros de internas, a exemplo de um momento decisivo dentro de uma atração de fliperama, que também serve para ilustrar a montagem rápida que não permite o descanso do espectador.

Ainda conduzido pelas performances bastante realistas dos seus atores centrais, Gigante Adormecido abdica que quase completamente de qualquer doçura para versar sobre a perda da inocência nesta fase de transição para a vida adulta. E por precisamente escolher representá-la a partir de três protagonistas masculinos, Cividino paraleliza ambos o fascínio e a crueldade do gênero.

(Sleeping Giant - 2015)