quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Comer Rezar Amar (2010)


Há uma grande contradição em “Comer, Rezar, Amar”: em alguns momentos, a protagonista Liz Gilbert arrisca muito em suas opções pessoais; sua intérprete, Julia Roberts, ao contrário, não arrisca nada neste papel, pura rotina para ela.

Escritora de sucesso de livros de viagem, Liz deixa o marido depois de oito anos, Stephen (Billy Crudup), envolve-se com um ator mais jovem e dado ao misticismo hindu (James Franco) e arremata a virada por uma longa viagem de um ano, entre a Itália, Índia e Bali. Na verdade, a viagem representou muito menos uma aventura do que parece, já que a escritora, na vida e na tela, financiou-a com um adiantamento pelo futuro livro – e que tirou a sorte grande ao tornar-se um bestseller lançado em cerca de 30 países, inclusive no Brasil.

Julia pode ter-se identificado com a personagem, enxergando corretamente o alto potencial da história para tornar-se um veículo para sua volta a um papel feminino de alto impacto – e sabe-se que estes papeis não sobram por aí, mesmo para atrizes do cacife de La Roberts, sempre no topo das mais bem-pagas de Hollywood.

A falta de elementos realmente novos está em todos os detalhes. Embora não seja assim tão comum uma mulher bem-sucedida jogar para o alto um casamento estável, como faz Liz com o apaixonado Stephen, nem por isso sua personagem chega a ser uma heroína feminista. Com roteiro assinado pelo diretor Ryan Murphy (de Correndo com Tesouras e da série Glee) e por Jennifer Salt, a ação decola quando Liz desembarca na Itália.

Essas viagens da protagonista preenchem a função de encher os olhos do espectador – não faltam belas paisagens, com direito a todos os cartões postais que uma Roma ensolarada pode oferecer. Mas nem tudo a respeito dos romanos é real, muito menos positivo. Liz aluga um quarto numa velha casa na capital italiana que nem água quente tem: para um banho morno, ela precisa esquentar a água numa chaleira no fogão, em plenos anos 2000. A imprensa italiana chiou bastante, alegando que isso poderia ter ocorrido, no máximo, durante a II Guerra Mundial, há mais de 60 anos...

Os clichês de praxe sobre a Itália estão todos lá: homens conquistadores e bons vivants, todo mundo envolvido no dolce far niente, ou seja, na boa e velha vagabundagem. E o que mais se faz é comer... Haja espaguete! Um momento divertido é quando Liz e sua nova amiga em Roma, a sueca Sofi (Tuva Novotny), mandam às favas a ditadura da boa forma, caem de boca na pizza napolitana e resolvem comprar calças maiores.

A passagem pela Índia é a parte mais chata. Fica difícil acreditar no engajamento de Liz no misticismo hindu, morando num ashram onde Liz limpa o chão, acorda de madrugada para meditar e leva broncas de outro americano amargurado, Richard (Richard Jenkins) – o que parece mais uma temporada no inferno do que uma jornada em busca da paz interior.

Finalmente, chega o capítulo do amor, na paradisíaca Bali, que Liz já visitou antes, conhecendo o seu velho guru, Ketut (Hadi Subiyanto). Nesta segunda viagem, a coisa começa mal, com Liz sendo atropelada quando andava de bicicleta, por um distraído brasileiro, Felipe (Javier Bardem). Um acidente que se transforma, mais tarde, em namoro firme entre dois divorciados, olhem que sorte. Para nós brasileiros, causa estranheza o sotaque sofrível do ótimo ator Bardem quando arranha algum português e a afirmação, feita por Liz a partir de conversas com o namorado, de que por aqui é normal e corriqueiro que os pais beijem os filhos na boca (!). Enfim, o forte de “Comer, Rezar, Amar” não é mesmo um retrato fiel dos países que visita.

A melhor coisa sobre o Brasil é incorporar à trilha sonora música e músicos de alta qualidade, fazendo uma ponte com a Bossa Nova. Estão lá o belo Samba da Benção, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, na voz de Bebel Gilberto, e Wave, de Tom Jobim, cantada por João Gilberto. O cantor baiano, aliás, é ouvido também interpretando ‘S Wonderful, de George & Ira Gershwin, com arranjo de Gilberto.

Ao final da projeção – um tanto longa, já que o filme se prolonga por 140 minutos -, fica a sensação de que faltou muita coisa. A ação fica excessivamente centrada na protagonista e sua interminável crise de identidade – que dura tempo demais. Os clichês sobre as pessoas e povos que ela encontra terminam por comprometer a credibilidade toda da história, por mais que se permita piadas e, vá lá, licenças poéticas. No final, Liz parece apenas percorrer as etapas previamente demarcadas de um roteiro de auto-ajuda, superficial como todos. Sorte da escritora Elizabeth Gilbert, que deve estar rindo à toa com o sucesso do livro e agora do filme.

(Eat Pray Love - 2010)

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