quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Capitão Fantástico (2016)


Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller) Cash resolveram viver uma utopia até o fim. Fugindo do mundo corporativo, do capitalismo e do consumismo, formaram uma família com seis filhos, vivendo numa cabana no meio da natureza, nas montanhas do estado de Washington. Seu cotidiano constitui-se de preparo físico intenso, treino de sobrevivência, trabalhos manuais, muitas leituras, músicas e conversas em conjunto, longe da internet, da televisão, dos celulares e videogames.

A crise da família acontece quando se manifesta a bipolaridade da mãe, forçando-a a viver longe deles. Um episódio dramático, que deflagra a ruptura neste mundo idealizado, retratada em Capitão Fantástico. O filme detalha a atmosfera desta família anticonvencional justamente a partir da ausência da mãe. E os detalhes são saborosos, com adolescentes lendo Dostoiévski, e todos, mesmo as crianças pequenas, discutindo desembaraçadamente as diferenças entre socialismo e capitalismo e declarando suas preferências entre trotskismo e maoísmo. Ainda que educados fora da escola, todos dominam ao menos cinco línguas. Ao invés do Natal, celebram anualmente o aniversário de Noam Chomsky, notório intelectual ativista norte-americano. E tarefas como caçar, preparar comida e lavar louça são divididas em comum. A ênfase desta educação libertária é a total independência.

O mundo lá fora, no entanto, não ficará indefinidamente à distância, especialmente quando acontece uma tragédia familiar. No velho ônibus que serve de transporte para idas ocasionais à cidade mais próxima – chamado “Steve” -, o pai embarca os seis filhos, rumo ao Novo México, onde moram seus sogros, Abigail (Ann Dowd) e Jack (Frank Langella).

A viagem transforma o filme num road movie, em que se tornam mais reais, sem deixar de ser engraçados, os primeiros contatos da trupe juvenil com a junk food – duramente combatidos pelo pai – e o primeiro amor, como no episódio vivido pelo irmão mais velho, Bodevan (George Mackay) num acampamento onde pernoitam.

O contraste de mentalidade torna-se mais nítido na visita da família pela casa da tia paterna, Harper (Kathryn Hahn), que é casada e tem dois filhos adolescentes educados de maneira diametralmente oposta aos primos da montanha. Aí é a chance de Ben mostrar, afinal, o que anda ensinando aos filhos. Mais dura é a passagem pela casa do sogro, um empresário rico, fã de armas e que simboliza o extremo oposto dos valores da família Cash, estando disposto a desafiar sua união a todo custo.

Um dos aspectos mais interessantes do roteiro, também escrito por Matt Ross, é não banalizar o confronto entre Ben e Jack. Escapando de uma discussão maniqueísta, permite ao personagem de Viggo Mortensen experienciar uma crise e auto-análise que fazem bem ao filme como um todo, além de humanizar a perspectiva do avô. Discutindo ideologias e símbolos da contracultura, Capitão Fantástico não se torna refém deles. É um saudável respiro de liberdade num universo excessivamente padronizado, ainda mais em tempos moralistas.

Nomeado ao Oscar de Melhor Ator (Viggo Mortensen).

(Captain Fantastic - 2016)

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