sábado, 2 de junho de 2012

Rastros de Ódio (1956)


"Rastros de Ódio" é o típico filme norte-americano em que os homens brancos são os bonzinhos e os índios são os bandidos, onde o homem branco é superior ao outro simplesmente por considerar sua cultura superior, sem maior explicação. O índio aqui é a ameaça, não o homem branco que deseja tomar a terra do índio. E tudo isso tornou este faroeste um clássico, com John Wayne em mais um de seus típicos personagens.

Segue a crítica do 1001 filmes para ver antes de morrer:

"Rastros de Ódio" começa com um plano de uma paisagem de deserto visto de dentro de uma casa. Alguém se aproxima montado em um cavalo. É Ethan Edwards (John Wayne), voltando da Guerra Civil para a fazenda do irmão no Texas. Através de uma série de olhares e gestos, percebemos que Ethan está apaixonado pela mulher do irmão, Martha (Dorothy Jordan). No dia seguinte, ele parte com um grupo de Texas Rangers em busca de índios que haviam roubado algumas cabeças de gado. Enquanto está afastado, comanches atacam a fazenda, matando o irmão e a cunhada de Ethan e raptando suas duas filhas. Por todo o resto do filme, em atos que se passam em um período de cinco anos, Ethan e Martin (Jeffrey Hunter), seu companheiro de sangue indígena, cruzam o Oeste em busca das garotas.

Como John Ford transformou esse enredo simples em um dos maiores faroestes de todos os tempos? Em primeiro lugar, há o cenário. Ford rodou muitos faroestes no Monument Valley, uma região desolada na fronteira entre Utah e Arizona. As rochas de arenito erodidas são um espetáculo extraordinário, e o olho clínico de Ford para composições as investe de uma aura especial. O próprio tamanho da paisagem faz as figuras humanas parecerem especialmente vulneráveis e a vida dos colonos texanos, precária. Como é possível tirar sustento de um lugar tão inculto e árido?

No coração da história, entretanto, está a figura de Ethan Edwards. Na interpretação de Wayne, Ethan é um colosso, devastador e indomável. Contudo, ele tem um defeito trágico. Ethan é devorado por seu ódio aos índios e fica claro que sua busca é impulsionada por um racismo implacável. Sua intenção, conforme percebe Martin, não é resgatar Debbie (Natalie Wood), sua sobrinha sobrevivente, mas assassiná-la. Na visão de Ethan, ela se contaminou de forma irremediável pelo contato com seus raptores comanches. Aos poucos, percebemos que Scar (Henry Brandon), o chefe comanche, funciona como uma espécie de espelho de Ethan. Ao estuprar Martha antes de matá-la, Scar executou um terrível simulacro do ato que Ethan, em segredo, sonhava cometer. Assim, a ânsia deste último em matar Scar e Debbie nasce da sua necessidade de destruir seus próprios desejos ilegítimos.

A verdadeira genialidade de "Rastros de Ódio" está no fato de ele conseguir manter a simpatia dos espectadores por Ethan, apesar de ele ser um racista homicida. Ao fazê-lo, a fita gera uma reação muito mais complexa e produtiva do que a maioria dos filmes liberais desse filão, como "Flechas de Fogo". Em vez de pregar uma mensagem, Ford nos conduz para as complexidades da experiência americana com a diferença racial.

Há vários outros prazeres pelo caminho, entre eles uma trilha sonora maravilhosa de Max Steiner e muito humor a cargo de membros da Sociedade Anônima John Ford, como Harry Carey Jr., Ken Curtis, Hank Worden e Ward Bond. Vera Miles está excelente como Laurie, a namorada de Marty, cuja mãe é interpretada por Olivia Carey, viúva do primeiro astro do faroeste de Ford, Harry Carey.

Em 1992, "Rastros de Ódio" foi votado o quinto melhor filme de todos os tempos em uma enquete com críticos de cinema de vários países promovida pela revista Sight & Sound. É uma honra e tanto, mas o filme de Ford faz jus a ela.

(The Searchers - 1956)

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