domingo, 16 de janeiro de 2011

Os Sapatinhos Vermelhos (1948)



A produção de 1948 de Michel Powell-Emeric Pressburger foi amada por gerações de garotas que queriam ser bailarinas quando crescessem, embora sua mensagem para elas seja decididamente de duplo sentido. Em uma fascinante releitura da velha história do nascimento de uma estrela, Victoria Page (Moira Shearer), uma jovem dançarina atraente, obstinada e talentosa, se apaixona pelo empresário Boris Lermontov (Anton Walbrook), uma mistura de Svengali com Rasputin e Diaghilev. Ela negligencia sua vida pessoal (um romance com o compositor Marius Goring) em prol de uma devoção passional e quase doentia à arte, o que antecipa um final trágico belamente encenado. Depois que Boronskaja (Ludmilla Tchérina), a bailarina principal que Lermontov abandona quando ela diz querer se casar, sai de cena, Vicky estreia em uma adaptação para o balé da história de Hans Christian Andersen sobre uma garotinha cujos sapatos a mantêm dançando até ela cair morta. Isso leva os cineastas – auxiliados pelo dançarino-coreógrafo Robert Helpmann, o co-astro Léonide Massine e o maestro Sir Thomas Beecham – a uma sequência de dança fantástica de 20 minutos que criou uma tendência (ver “Sinfonia de Paris”, “Um dia em Nova York”, “Oklahoma”) de interlúdios estilizados e sofisticados em musicais. No entanto, ela consegue ser muito melhor do que qualquer uma de suas imitações ao recontar em síntese a história do filme ao mesmo tempo em que ainda funciona bem como um número musical independente.

Obviamente, a vida de Vicky fora dos palcos segue os passos daquela da heroína de Andersen, conduzindo ao clímax em que ela salta – como em um balé – diante de um trem e ao inesquecível tributo ao qual seus colegas desolados fazem uma nova apresentação de “Sapatinhos Vermelhos” apenas com os sapatos no lugar da estrela. Shearer, pequenina e extraordinária na sua estreia nas telas, é uma presença poderosa que consegue fazer frente a toda a intensidade da atuação soberba de Walbrook. Ela consegue convencer tanto como dançarina ingênua em um salão lotado com uma companhia de terceira categoria quanto como a grande estrela adorada por todo o mundo. A heroína é cercada por telas de fundo estranhas, dignas de contos de fadas, para o exuberante balé, porém o desenhista de produção Hein Heckroth, o diretor de arte Arthur Lawson e o fotógrafo Jack Cardiff trabalham duro para tornar as cenas fora dos palcos aparentemente normais tão ricas e exóticas quanto os momentos de destaque no teatro.

Walbrook – com os olhos brilhando, quando não escondidos atrás de óculos escuros – arrulha e sibila falas diabólicas com uma satisfação da qual não conseguimos deixar de compartilhar, manipulando tudo a sua volta com facilidade, embora esteja tragicamente sozinho na sua devoção religiosa ao balé. “Os Sapatinhos Vermelhos” é um raro exemplo de musical que captura a magia dos espetáculos teatrais sem negligenciar o esforço árduo e sofrido necessário para se criar esse tipo de veículo para o encantamento. Seu clima de bastidores ajudou bastante a tornar o balé acessível para além da elite, contrastando as expectativas dos apreciadores de musicais amontoados nas poltronas mais altas (e mais baratas) com a condescendência desdenhosa dos figurões bem vestidos nos camarotes, para os quais as pérolas artísticas são jogadas. Contando com cores brilhantes maravilhosas, uma seleção de músicas clássicas que fogem ao clichê e um viés sinistro que captura perfeitamente a ambiguidade do tradicional, ao contrário dos contos de fadas da Disney, esta é uma obra-prima exuberante.

Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Edição e Roteiro. Venceu os Oscar de Direção de Arte e Trilha Sonora.

(The Red Shoes - 1948)

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